Hatari! Revista de Cinema #06 Cinema Nórdico | Page 8

Permanece a fixação por temáticas pesadas e personagens levados a situações limite, mas se em Terje Vigen e O Fora da Lei e sua Mullher se via um olhar fixado no mundo natural, agora Sjöström se permite atravessar a superfície das coisas, estendendo seus propósitos no campo do fantástico, dando corpo a um mundo fantasmagórico através de sobreposições de imagem. Trabalhado no campo do melodrama, com questões datadas e a influência de um puritanismo cristão, poderia ser um filme esquecido, envelhecido, se fosse abordado de outra maneira. Mas, definitivamente, não é. Ver as imagens desse filme, quase 100 anos depois, me faz pensar na grandiosidade do cinema em si, nos impulsos inventivos que percorreram a mente desses moduladores de imagem.

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em segredo

Por Yasmin Gabrielle Rahmeier Souza

PEQUENOS MILAGRES ACONTECEM

Ao rever Ordet( Carl Theodor Dreyer, 1955), o que mais me aflige é não recordar os longos diálogos, lembrando apenas os rostos e os sons que ecoam durante toda a narrativa. Rever Johannes a caminho do monte para pregar pela primeira vez àqueles que assistem à obra, lembrar a maneira estranha com que ele se porta, com olhares ao chão e palavras de desapontamento proclamadas aos que cruzam o seu caminho.. Quando Ordet me vem a cabeça penso em Mikkel, em sua determinação e em seu amor explicitamente declarado por seus entes queridos, em especial Inger, sua esposa. Reavivo Morten Borgen, patriarca da família,

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que se arrasta e declara a mais verdadeira das tristezas ao falar sobre Johannes, seu filho do meio, e recordo o desapontamento do pai com seu filho mais novo, Anders, pelo mesmo demonstrar o desejo de casar--se com a filha do alfaiate Petersen.
Pensar em Ordet é esquecer justamente da palavra e dar espaço ao balé de corpos em frente ao quadro. Reassistir para ter a chance de experienciar a mais bela das graças divinas e cair em prantos junto dos Borgen, ter a oportunidade de sentir a graça emanada por Inger em todos os momentos e presenciar, mesmo que de longe, a força descomunal dessa mulher sendo ecoada por toda a obra.