Hatari! Revista de Cinema #06 Cinema Nórdico | Page 27

Aplicando a profundida- de para trabalhar com diferentes histórias em um mesmo plano, Andersson quer que o espectador veja seu filme do mesmo modo que observa atentamente quadros em um museu, analisando cada deta- lhe da imagem construída na cena. ser humano O RETRATADO POR ROY ANDERSSON Por Camila Sailer Kletemberg Meu primeiro contato com o cinema de Roy Andersson foi por meio de um postal divulgan- do a exibição do filme Um Pombo Pousou num Galho Refletindo sobre a Existência (2014) na programa- ção do Festival de Cinema da Bienal Internacional de Curitiba de 2015. A foto estampada no postal era um dos frames da primeira cena do lon- ga-metragem, na qual um homem observa um pombo empalhado em um museu. No filme, após o letrei- ro inicial, somos informados de que aquela era “A última parte de uma trilogia sobre o ser humano”. A trilo- gia foi iniciada no ano de 2000 com o longa Canções do Segundo Andar e seguida por Você, os Vivos de 2007. Os três filmes citados seguem a linha do gênero tragicomédia, nos quais o sueco Roy Andersson revela uma sociedade vulnerável a situa- ções imprevisíveis do dia a dia. Cada cena é como se fosse uma nova his- tória, podendo, ou não, se conec- tar com as próximas. Histórias es- sas que fazem pensar sobre o que é viver a realidade de um ser humano. A trilogia traz uma estética muito característica, seres huma- nos extremamente pálidos em uma textura que faz cada plano parecer uma pintura. Remetendo a uma arte renascentista, ele cria um balanço entre as cores quentes e frias e uma construção de planos com grande perspectiva de profundidade. 53 alega nunca ter faltado des- de que entrou na empresa. A próxima cena já mostra ele se arrastando pelo corredor abraça- do aos pés de seu chefe enquanto entoa que trabalhava ali há 30 anos . O longa-metragem se passa inteiramente em uma cidade que está paralisada por um engarrafa- mento constante. Em uma conver- sa um mendigo o analisa dizendo, “Ninguém anda há 8 horas. Nin- guém sabe o motivo. Parece que toda cidade está nas ruas. Todo mundo indo na mesma direção. Faz você pensar, sabe, para onde se dirigem as pessoas. Sabe para onde se dirigem? Sabe para onde estão indo?” Contando com apenas um ou dois movimentos de câmera em cada filme, as cenas são feitas pri- mordialmente por planos estáticos. O diretor prioriza também a constru- ção de planos abertos, pois acredita que podem dizer muito mais sobre um personagem do que um close. O ambiente que os cerca, suas roupas, suas companhias, tudo isso pode conter mais histórias do que uma O que ocupa a maior parte das expressão em um rosto fechado. cenas do filme é a história de Karl, um homem que decide incendiar C anções do S egundo A ndar (2000) Em cada cena há uma situa- sua loja de móveis com a intenção ção imprevisível com uma lição de de ganhar o dinheirow do seguro e moral extraída, como na abertu- se vê surtar com a possibilidade de ra de Canções do Segundo Andar, não ter sucesso após descobrir que filme com o qual a trilogia come- os papeis do contrato foram quei- ça. Em uma sala de bronzeamen- mados no incêndio. Entendo que há to, dois homens conversam sobre uma ironia no fato de, ao meio de o desempenho de sua empresa. todas essas histórias de pessoas que Ao chegarem à conclusão de que a se dizem estar à beira da loucura, o situação estava ficando cada vez pior, único personagem a ser diagnosti- concordam que “não tem sentido cado e internado como louco é o fi- permanecer onde só tem miséria”. lho de Karl, que decidiu largar a em- presa de táxi para escrever poesia. Nesse filme, o mundo ma- terialista é questionado, dando V ocê , os V ivos (2007) O segundo filme da trilogia, enfoque às prioridades estabeleci- das por seus personagens, sempre Você, Os Vivos, é sobre o ser humano e com seu tom de ironia. Como na cena suas lamentações. Em uma cena um em que a esposa insiste para que o psiquiatra decide desabafar sobre marido falte um dia de trabalho e ele seus anos de trabalho: “Eu sou um 54