Hatari! Revista de Cinema #06 Cinema Nórdico | Page 25
O enredo de A Garota da Fá-
brica de Fósforos (Aki Kaurismaki,
1990) não é uma das ideias mais
originais do diretor finlandês. Pelo
contrário, é até muito simples: conta
a história da vida monótona de Iris,
supervisora em uma fábrica de fós-
foros, sem muitas aventuras e am-
bições. A mediocridade de persona-
gens no cinema costuma despertar a
compaixão de um público sonhador.
olhos
A MENINA DOS
DE KAURISMAKI
O emprego de Iris não exige
muito da capacidade de uma pes-
soa, é uma função que poderia fa-
cilmente ser desempenhada por
uma máquina. A personagem é uma
mulher adulta, solteira e que ainda
vive com os pais, faz as compras da
casa, as refeições e sustenta ambos
com seu salário. Quando as pessoas
dizem que gostariam de viver como
nos filmes, certamente não estão se
referindo ao cinema de Kaurismaki.
O desfecho trágico de A Ga-
rota da Fábrica de Fósforos é um
elemento surpresa, porém as revi-
ravoltas não são nenhuma novida-
de no todo da carreira do diretor.
O que me chamou a atenção foi
a dedicação na construção e de-
senvolvimento da protagonista. A
simplicidade do enredo caberia fa-
cilmente tanto em um curta entre
dez e quinze minutos como daria
pano para mais de duas horas. As
escolhas de Kaurismaki fizeram di-
ferença, e este filme com uma hora
e cinco minutos tem a sua cara.
por Matheus Borges
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planos curtos e a constante ausên-
cia de expressões no semblante e na
linguagem corporal de Iris, são ele-
mentos que constituem um desen-
volvimento bastante cuidadoso da
personagem, representando a falta
de emoção no cotidiano dela. Ape-
sar disso, ela acredita no amor e so-
nha em encontrar um homem para
se casar e formar uma família, con-
forme indica seu discreto sorriso
enquanto lê um romance no ônibus.
Apesar da pouca duração e boa
fluidez do filme, as sequências refle-
tem tão bem a monotonia da vida de
Iris que muitos espectadores sentem
o mesmo: é cansativo assistir à cena
do jantar em família, na qual con-
versam sobre o noticiário da TV, ou
das máquinas da fábrica trabalhan-
do nos primeiros minutos. Porém,
essa particularidade nos aproxima
ainda mais da vida da persona-
gem, de modo a nos envolver com
o filme de uma maneira mais rica.
Iris frequenta os bailes e ba-
res para tentar se divertir e conhe-
cer alguém, mas se vê ainda mais
sozinha quando ninguém se inte-
ressa pela moça tímida e inexpres-
A escolha pelos poucos diá- siva, sempre a olhar para o chão e
logos, a objetividade das ações em evitar contatos visuais enquanto
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