Hatari! Revista de Cinema #06 Cinema Nórdico | Page 22

autoaceitação e amadurecimento das personagens principais. Na série, tudo parece bas- tante banal - e é. Inúmeras foram as vezes que me deparei com a ex- pressão “Skins norueguesa” para descrever Skam. E, sinceramente, discordo muito. Skins (Bryan Els- ley e Jamie Brittain, 2007-2013) foca em um personagem por episódio e mostra centenas de festas e ado- lescentes bêbados. Mas para por aí. Lembro que quando assisti Skins, com a mesma idade dos persona- gens, aquela era a vida que eu se- cretamente sonhava em ter. Vendo Skam, hoje, por mais que eu não tenha vivido todas situações pelas quais os personagens passaram, eu sinto que poderia ter passado. E seria exatamente daquele jeito. Skins é megalomaníaca, de certa forma. Irreal. Em Skam, a identificação é muito fácil e natural. Além das festas, em contraponto, são comuns as cenas em que nada acontece. Seja de um personagem olhando para o celular esperando uma mensagem ou confirmação de amizade no Facebook ou então ape- nas pensando na vida em seu quarto. muitas das situações que aqueles jovens noruegueses passaram - por vezes, situações assustadoramente parecidas. Skam pode parecer só mais uma série de dramas amorosos adolescentes, mas a capacidade de trazer assuntos extremamente rele- vantes de maneira nada forçada que a série possui também é notável. Homofobia, islamofobia, distúr- bios alimentares, estupro, aborto, a relação entre feminismo e religião, pornografia infantil, bipolaridade e suicídio são só alguns dos temas tratados durante as quatro tempo- radas já lançadas. É difícil falar de tantos temas pesados sem cair no clichê, pre- visível e melodramático. Mas, de alguma maneira, Skam consegue fugir disso tudo ao falar de aborto sem tabu ou julgamento algum, por exemplo. Sem romantizar a bipola- ridade, terminando o arco amoroso de uma temporada inteira na incer- teza, na promessa de viver cada dia, cada minuto, cada segundo de cada vez - e não nas juras de amor eterno . Ou ainda quando a série se propõe a falar de abuso sexu- Essa identificação não vem al passando longe do que grande do nada. Julie Andem, a criadora da parte do público de ficção seriada série, passou bastante tempo con- está acostumada com, por exem- vivendo e conversando com os ado- plo, Game of Thrones. Não há vio- lescentes e isso fica bastante claro lência explítica. Não precisa. Ali- ao assistir à série. É tudo muito sin- ás, precisa-se do que vem depois. cero e eu, mesmo tendo sido uma O sentimento que fica, a dúvida, a adolescente no Brasil, passei por angústia. É tudo bastante sensível. 43 A experimentação com a lin- guagem também é bastante inte- ressante. Não é nada pioneiro, mas é sempre reconfortante ver jump cuts, telas pretas e sobreposição de diálogos na televisão - como na belíssima cena em que Eva e Jonas terminam seu relacionamento: ou- vimos o diálogo entre os dois, line- armente, e vemos imagens interca- ladas da conversa, das lágrimas e dos últimos beijos. nteressante - e, aqui, lembro sem- pre daqueles episódios de Pretty Little Liars (2010-, I. Marlene King) que, sim, realmente tem alguém tentando matar todo mundo e nada é desenvolvido, só mais furos de ro- teiro são criados. Ou ainda a experimentação com os códigos de gênero, como no quarto episódio da segunda tempo- rada que flerta com o horror, quan- do o grupo de amigas viaja para uma cabine isolada no feriado de páscoa. É muito divertido ver essas cenas que remetem aos clichês dos filmes de terror com adolescentes e saber, no fundo, que nada vai acontecer. Que tudo não passa de um pretex- to para discutir as relações entre as meninas do grupo de uma maneira cinematograficamente muito mais descobrir esses motivos. E talvez sejam justamente esses elementos que eu não esperava encontrar nes- se tipo de produção - simplicidade e sinceridade - que tenham impul- sionado uma série norueguesa sem precedente ou marketing algum ao sucesso mundial, merecidamente. Sempre me pergunto por que algumas séries se tornam tão popu- lares e, por isso, comecei a ver Skam com certo ceticismo. No entanto, não é preciso ir muito longe para 44