Hatari! Revista de Cinema #06 Cinema Nórdico | Page 20
própria libertação. Para elas, o punk
surge como resposta às pequenas
indignações cotidianas, antes mes-
mo de terem total maturidade para
a compreensão das injustiças so-
fridas. Dispondo dessa percepção,
reagem com o mais profundo revi-
rar de olhos para as desigualdades,
como ao serem colocadas em se-
gundo plano e rotuladas de “banda
de garotas”.
Porém, ao longo da narrativa essa
rapidez se dilui e os planos passam
a carregar uma força contemplati-
va que acompanha o desenvolvi-
mento das protagonistas e a cons-
trução da sua amizade. Através do
olhar de Bobo, os conflitos internos
se instauram, pois vemos crescer
sua fragilidade e senso de inferio-
ridade em relação a Klara. O po-
tente plano no terraço frio e vazio
após o tão desejado garoto não a
As personagens são constan-
escolher, ecoa a todas as desilusões
temente desacreditadas pelos adul-
que já tivemos. Naquele momen-
tos a sua volta que são retratados
to sentimos sua dor pura e dilace-
como imaturos pela irritada pers-
rante, mesmo tendo ciência de que
pectiva adolescente. A infantiliza-
em alguns dias tudo será esqueci-
ção e brigas constantes dos pais de
do como se anos tivessem passado.
Klara; a procura insaciável por um
We are the Best é um sim-
amor pela autocentrada mãe de
Bobo; e a insensata imposição das ples filme sobre três garotas que
crenças da mãe de Hedvig, fazem buscam formar uma banda punk.
com que formar uma banda seja um A vida pode não ser sempre justa
objetivo nobre e sensato. Elas vivem pelo olhar adolescente das prota-
intensamente nesse lapso de tempo gonistas, mas no seu protesto elas
que é a adolescência, repudiando alcançam a real forma de exulta-
tudo aquilo que as figuras de auto- ção. E em meio a gritos e vaias no
ridade representam. Negam a inevi- esperado concerto de Natal, tradu-
tabilidade do crescimento e a possi- zem o espírito da anarquia punk
bilidade de que serão as próximas a em uma cena de estranha pureza. E
se tornar o que repudiam, como fez para elas não importou a magnitu-
o outrora idolatrado irmão de Klara, de do problema (odiar esportes por
que abandonou seus ideais e traiu o exemplo), ou se o mundo lhes desa-
punk da forma mais vil - escutando creditava, pois no fim, por um bre-
ve instante, elas foram as melhores.
Joy Division.
A primeira metade do filme
marca o retorno de Moodysson à
estética de suas obras de estreia, in-
fluenciadas pelo Dogma. No inicio
a câmera é orgânica e transita com
olhos rápidos pelas personagens.
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