visualizamos aquela que lhe explica , que lhe fala , há uma ausência do plano e contraplano , só vemos Alma , em diversos closes diferentes . Quem será a interlocutora ? Nesse momento , não importa . A passagem pela porta ocorre novamente ( em elipse ). Ela conhecerá Vogler pela primeira vez , e já de início percebe um olhar maligno vindo dela . Por quê ? O medo de Alma impossibilita-a de ver de outro modo ? Talvez . A ‘ Irmã ’ – novamente ausente no contra- -plano , lhe explica . Diferentemente de Carl Theodor Dreyer – que teve um filme desdobrado nesta edição da revista –, a ausência do plano e contraplano aqui tem uma explicação e motivo narrativos , que serão desvendados ao decorrer do filme .
A ausência de movimentações de câmera implica uma singularidade acerca dos cenários e personagens . A ausência de tais movimentações será levada ao limite e , quando for rompida , proporcionará um dos momentos mais belos do filme . Em quase todos os planos , a mise-en-scène é construída exclusivamente através dos corpos , tendo em vista que eles são o ponto crucial do filme ; as máscaras continuam a subsistir e se auto interferir .
Os extensos diálogos e confissões trazem aquilo de comum em Ingmar Bergman , seja em Morangos Silvestres ou em O Sétimo Selo . A importância dos crivos diálogos se mostra um essencial elemento para conhecermos as Personas de Alma e Vogler , que desde o início se mostram resistentes uma à outra e , aos poucos , começam a se abrir e a sentirem-se mais livres perante os julgamentos . A quietude da praia e do mar tentam passar sensação de calmaria , contrariando a real situação vivida entre elas . Esse mar avançando também retornará como argumento , e nos fará sermos arrebatados em um futuro momento .
A confiança por elas estabelecida durante a estadia terá um fim . A confusão entre as máscaras de enfermeira-paciente tomará conta da narrativa e nos afetará diretamente , até o momento catártico . Quando o limite entre elas é quebrado , uma briga física é anunciada e , enfim , o medo e o pavor tomam conta das relações . A catarse é sobreposta na sequência de tapas , cuspidas , e quando o sangue escorre . A indolência de Vogler é rompida na cena em que o limite é ultrapassado , a ameaça de ser encharcada de água fervendo faz com que Vogler , em um momento único , se sinta indefesa , com medo e subjugada . Ela sente um medo real da morte , tal como aponta Alma . As máscaras se subtraem e se sobrepõe ao mesmo tempo , a indiferença é deixada de lado . A briga continua e a mágoa se atenua . Assim é chegado o momento de romper a fixidade dos planos , é chegado o momento do travelling .
A catarse é contínua , assim como os dois planos em sequência que virão . O mar sinaliza a imensidão e a calmaria que comentei acima ; mas , aqui , ele faz o inverso . Alma corre para buscar sua redenção com Vogler , e a câmera as acompanha . Arbustos escondem , pouco podemos ver , elas caminham não sobre a areia da praia e , sim , sobre as pedras , que são como obstáculos , que inclusive são por elas perpassados . O primeiro travelling chega ao fim , no momento que em primeiro-plano observamos Vogler a olhar julgando Alma e , numa espécie de subjetividade , vemos o rosto de Alma , completamente arrependida . Vogler some do quadro . O segundo travelling se inicia , agora mais distante e ainda mais difícil de enxergar Alma correr , os arbustos impedem a nossa visão , ela percorre as pedras , apenas ela está presente nesse plano , tanto nós como ela nos perguntamos : onde Vogler foi , está ? É um momento de revelação para nós e um momento de revelação para ela . Se a revelação ocorre aqui , ela é ainda mais atenuante na repetição do monólogo entre Alma e Vogler , quando literalmente as máscaras se completam , se sobrepõem . O inconsciente torna-se o consciente , ou vice-versa ?
Essa revelação pode também ser tida como liberdade de escolha , uma liberdade que Ingmar Bergman nos dá . Assim como ele assume repetidamente se tratar de um filme , ele também o explica nos entremeios , sendo os dois travellings um exímio exemplo disto . Utilizarei
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das palavras de Mário Alves Coutinho que , utilizando da teoria Baziniana , explica melhor essa relação : “ Em vários de seus ensaios ele se estende sobre a ideia de que o uso do plano-sequência e da profundidade de campo dá ao espectador a liberdade de escolher e ajustar os elementos mais importantes , dando seu sentido ao que vê ” ( O Realismo Impossível , 2016 , pag . 26 ). A relação da teoria Baziniana com Bergman é bem distante do ponto de vista do real , mas serve como base para o travelling em questão . Por falar no não-real , no meio e final , somos avisados novamente : um filme está sendo rodado . Tudo o que vemos / vivemos são máscaras , entre elas , entre nós , entre o cinema .
A cena da crucificação , que se repete ao longo do filme , insere também um aspecto religioso , a culpa pelo pecado , pelo aborto , pela traição , pela orgia . Por mais que a religião não seja o julgamento final , ela está sempre implícita em Bergman . “ Bergman , além disso , é o cineasta metafísico . Homem educado numa família protestante , numa educação religiosa muito rígida , abandonou depois a crença , tornou-se agnóstico , mas a obsessão religiosa ficou sempre na obra dele , quer sob os aspectos de negação profunda , quer na busca desse silêncio de Deus , das razões pelas quais Deus se manifesta ou não se manifesta .” ( João Bénard da Costa , publico . pt , 2007 )
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