Hatari! Revista de Cinema #05 Ficção Científica | Page 38
sua esposa e saudades de sua filha. Como suportar que nada disso era
real sendo que seus sentimentos eram? Como enfrentar a construção da
própria individualidade se todas as suas memórias são apenas um pro-
grama de computador, previamente construídas ou roubadas de outro al-
guém?
São os próprios questionamentos de Motoko que a fazem tão humana.
Mais do que ter um cérebro real dentro de um corpo cibernético e de
ser efetivamente tratada como uma pessoa real, como Batou, parceiro de
Major da Seção 9, aponta, é a capacidade de questionar a existência da
própria alma e de procurar constantemente um motivo para ser que nos
conecta e nos relaciona com Motoko. Afinal, nós já não nos fizemos essas
mesmas questões?
E é esse senso de humanidade que, ironicamente ou não, fazem os an-
droides, robôs e ciborgues enlouquecerem. Seja por um vírus ou por uma
tomada de consciência espontânea, eles não conseguem lidar com isso,
com o peso de não se encaixarem em lugar algum, de não conseguirem
uma definição exata para todos aqueles sentimentos, da dúvida do que é
real ou não e, principalmente, de serem tratados sempre como máquinas
escravas, que uma vez conscientes de suas existências e da vontade de
liberdade e direitos, são eliminados e empilhados como sucatas.
Batty (Rutger Hauer), líder dos replicantes que Deckard tem que
“aposentar”, está com o tempo de vida se esgotando – os quatro anos
dados por seus criadores estão chegando ao fim. Após uma perseguição
alucinante e sangrenta, Batty salva Deckard e, na chuva enquanto segura
um pombo, minutos antes de morrer, ele faz um monólogo curto, mas um
dos mais potentes do cinema.
I’ve... seen things you people wouldn’t believe. Attack ships on fire off
the shoulder of Orion. I watched C-beams glitter in the dark near the
Tannhäuser Gate. All those moments will be lost in time... like... tears in
rain... Time to die. 5
Eu vi coisas que vocês homens não acreditariam. Naves de guerra em chamas na
constelação de Orion. Eu vi raios-C brilharem na escuridão próximos ao Portal de
Tannhäuser. Todos esses momentos irão se perder no tempo… como… lágrimas na
chuva… Hora de morrer.
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