Hatari! Revista de Cinema #05 Ficção Científica | Page 37
Parece-me natural que em um mundo completamente dependente da
tecnologia onde a linha entre o que é real e o que é virtual é quase in-
existente, que o conceito de humanidade seja colocado em xeque. Em
Blade Runner replicantes e humanos são diferenciados por um teste de
perguntas e respostas e o fator determinante é a empatia – humanos se-
riam empáticos e replicantes não. Mas percebemos ao decorrer do filme
que o teste não se valida, enquanto humanos matam a sangue frio, es-
cravizam máquinas e são devorados pelo consumismo, replicantes cuid-
am e protegem seus semelhantes, lutam pela sobrevivência e amam o
mundo em que vivem, por mais caótico e destruidor que seja. O que
definiria então ser um humano? O próprio Deckard é questionado por
Rachel (Sean Young), uma replicante, se ele mesmo já teria feito o teste.
Seria Deckard realmente um humano?
A situação se torna ainda mais complexa quando a Tyrell Corporation,
empresa que fabrica os replicantes, começa a introduzir memórias falsas
em seus androides, tornando-os ainda mais humanos, sendo que alguns
deles, como Rachel, nem sequer sabem o que realmente são. Ghost in the
Shell trabalha também fortemente com isso e é o que faz Major questio-
nar tanto a validade do seu próprio ser. Seria o seu “eu”, todas as suas
emoções e sua alma reais ou apenas uma cópia de alguém que já morreu?
Há ainda no anime outro personagem secundário e sem nome, um
homem que faz coletas de lixo, que é usado pelo The Puppet Master
para invadir o ghost de pessoas do governo sem que ele saiba, através
de memórias falsas. Ele passa o tempo todo falando para o colega de
trabalho sobre sua família, o fim de seu casamento e sua filha única,
acreditando que está acessando o ghost da esposa. Quando pego, a polí-
cia revela que nada daquilo é real e que, na verdade, ele é um homem
solitário que vive em um apartamento pequeno. Chorando, o coletor
pergunta se é possível se livrar daquelas memórias e os policiais dizem
que não. É uma cena extremamente dolorosa, que nos mostra como o
real é completamente frágil e se relaciona intimamente com a situação
da própria Motoko: o homem amou sua família fictícia, sentiu raiva de
O Mestre dos Fantoches.
Seria um tipo de alma, a consciência do indivíduo.
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