Hatari! Revista de Cinema #04 Cinema Brasileiro Anos 80 | Page 68

tem permissão para dizer as suas verdades. Logo após Lola apresentar-se, fazendo sua emocionante versão de Ne Me Quitte Pas, na frente, inclusive, de sua irmã que veio do interior apenas para vê-lo, a polícia invade o local e a tira a força, levando-a para rua. Onde escapa, vai em direção à câmera e, sob a chuva que dispersa o neon que preenche o quadro ao fundo, profere as seguintes palavras, num monólogo forte e provocante:
Eu não fi z nada, porra. Eu não fi z nada. Por que eu? Porque eu sou veado? Por quê? Porque eu me visto de mulher e acredito nisso? Eu sou a fantasia barata de todos vocês. E vocês, o que é que olham com essas caras de imbecis? Seu bando de bundas-moles, passivos. Mesmo com toda a promiscuidade, vocês nunca deixaram de ser bem comportados. Eu conheço o sonho de todos vocês, seus veados, frouxos. Suas esperanças são pobres, miseráveis, hipócritas. Vocês gostariam mesmo é de ser mulherzinhas e maridinhos. Se pudessem, vocês teriam um bando de fi lhinhos, uma fi leira de adoráveis monstrinhos para reproduzir essa merda toda!
O final desse monólogo já é visto pela TV, do quarto branco de Malu, em uma de suas tapes. Mais uma vez, fundindo qualquer conceito de realidade, ficção e linearidade que o espectador poderia ter formado acerca da narrativa a essa altura do filme.
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Quando se fala em neon-realismo e suas ligações com gênero, vêm à mente principalmente o noir de A Dama do Cine Shangai, com seu protagonista anti-herói, a femme fatale e os cenários noturnos e claustrofóbicos de uma cidade grande. Ou ainda a sensação futurista e um tanto quanto noir de Cidade Oculta. Porém, um dos momentos mais bonitos de Anjos da Noite faz homenagem a um gênero diferente: o musical. Em