Hatari! Revista de Cinema #04 Cinema Brasileiro Anos 80 | Page 67
lidade. Mas o que é real, afi nal?
Apresentando os personagens de seus vídeos, Malu apresenta os persona-
gens do fi lme. Os anjos da noite, que vivem no centro da noite paulistana
iluminada pelas luzes neon, e se encontram em situações muitas vezes
não naturais.
“A minha preocupação é muito mais com a fi cção enquanto uma men-
tira que refl ete a realidade do que com um realismo que não diz muita
coisa sobre essa realidade, a não ser uma reprodução dela” (Um Filme
na Noite, 1997). Com essa afi rmação, Barros justifi ca todos os artifícios
opacos que utiliza em seus fi lmes, seja a luz neon forte, os personagens
cientes de sua posição dentro do cinema - ou das tapes. Essa estratégia
de usar da mentira, do não-real para tratar de temas importantes funciona
muito bem no fi lme, cuja estrutura metalinguística e de difícil localização
espaço-temporal por parte do espectador se encaixa em um conceito de
pós-modernismo, muito forte no cinema da época.
É comum que uma característica apolítica seja atribuída a fi lmes pós-
-modernos. Contudo, por mais que as questões trazidas pelo fi lme este-
jam distantes das tratadas no Cinema Novo, por exemplo, apolítico é um
adjetivo deveras forte e limitador. Em uma década em que a aids ganhava
força e não havia o mínimo de conhecimento por parte da maioria da
população sobre a doença, retratar personagens gays diferentes entre si,
com ambições e vidas diferentes, sem recorrer aos estereótipos existentes
até hoje e, sobretudo, sem tratá-los como homossexuais antes de tratá-los
como pessoas, é, sem dúvida, uma grande maneira de se posicionar po-
liticamente.
Esse posicionamento culmina na minha cena favorita do fi lme. Uma
cena que provoca, que dá voz a um personagem que normalmente não
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