Hatari! Revista de Cinema #04 Cinema Brasileiro Anos 80 | Page 61

escapa de suas telas à procura de novas vitimas para recomeçar e termi- nar o roteiro em que está presa. Uma vez na tela do Cine Shanghai, para os espectadores ali sentados, e então, novamente, na minha tela. Faz parte de A Dama do Cine Shanghai essa reverência a outros fi lmes que criam cenas, parece, pelo prazer de cria-las, de vê-las vivas. Quando Lucas e Suzana, atrás do verdadeiro culpado pelo assassinato de que está sendo acusado, entram em uma festa de casamento no jardim de uma bela casa e conversam com o anfi trião, um homem mais velho com um sotaque forte, o fi lme parece ter mudado. As cores são outras, os ato- res os mesmos, mas seus nomes são diferentes. Todos ali desempenham mais de um papel, o dono do restaurante Chuang Tzu é um fotografo no casamento, Bolívar (José Mayer) é o mafi oso que Lucas conhece no res- taurante chinês e é também o amante de Laila no fi lme que Lucas assis- te, mas no casamento ele é Miguel, apenas um convidado acompanhado de sua mulher. Lucas também desempenha outro papel, ele se apresenta como Tenente, o homem que Bolívar e seus capangas confundem com ele no Chuang Tzu. A sensação é de que entramos em um outro fi lme, em A Dama do Cine Shanghai sempre temos a impressão de que, com o mudar das cenas, penetramos em uma película dentro da película em uma eterna sucessão de histórias que de alguma forma se complementam. Em certo momento, Lucas descobre ter cometido um grande engano. Ele acabou matando um homem inocente no lugar de assassinar Desdino. Nesse momento a película engasga e queima abrindo um buraco, Suza- na nunca existiu, Suzana é Laila. “Não tenho tempo para explicar”, diz Desdino no quarto escuro da primeira cena do fi lme. Não tem tempo, mas também não existe necessidade, um fi lme não precisa se explicar e esse 61