Hatari! Revista de Cinema #04 Cinema Brasileiro Anos 80 | Page 62
com certeza não se preocupa em fechar todos os buracos do mistério, não
importa.
O cine Shanghai é um lugar mágico, onde a realidade e a fi cção se en-
trelaçam e são difíceis de discernir. Prado mostra seu fascínio por fi lmes
e pela ilusão do cinema, ele cria uma narrativa com um desenvolvimento
absurdo que começa dentro desse lugar de sonhos, onde o impossível não
é questionado e os espectadores abaixam suas guardas para entrar naque-
le universo de histórias projetadas. No caso do protagonista, a história
que se desenrola na tela é muito próxima do que acontece em sua vida,
talvez ele tenha abaixado sua guarda demais, talvez ele nunca tenha saído
do cinema.
Entre os créditos, Lucas, usando a camisa fl orida com que o vemos
pela primeira vez, sai do cinema com um sorriso no rosto e usa o pôster
do fi lme - A Dama do Cine Shanghai - para riscar um fósforo e acender
seu cigarro negro. Fumando, ele anda pelas ruas de São Paulo. Como
a lenda chinesa que conta o japonês, ora dono do restaurante Chuang
Tzu, ora fotógrafo de casamentos, “o sábio que um dia sonhou que era
uma borboleta e acordou sem saber se era um homem que sonhava ser
borboleta, ou então uma borboleta que agora sonhava ser homem”, não
sabemos se Lucas sonhava estar no fi lme ou se sonhava que podia sair
dele. Dentro de um cinema tudo é possível.
Marcela Patricio de Almeida
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