Hatari! Revista de Cinema #04 Cinema Brasileiro Anos 80 | Page 28
na partitura da Oitava Sinfonia de Gustav Mahler.
Tecnicamente, é um fi lme com nítidas infl uências da Nouvelle Vague -
em especial o estilo de montagem fragmentada que surge principalmente
nos diversos monólogos de personagens secundários - algo que além de
prestar uma das várias homenagens de Reichenbach a outros cineastas,
também evita um ar teatral para estes momentos pontuais e poéticos.
Há também algo “Felliniano”: ecos de A Doce Vida estão por todos os
cantos - talvez o tom levemente surrealista, a ambientação, o fi gurino do
protagonista. Ou talvez simplesmente porque se o Marcello de Fellini de-
clamasse sua fala “somos tão poucos os descontentes com nós mesmos”,
o Fausto de Reichenbach certamente acenaria, concordando.
Mas talvez a maior obsessão de Filme Demência seja a relação do
protagonista com a representação: seja em interpretar seus sonhos (na ex-
traordinária cena da conferência, tenta chegar ao mar, mas ele se afasta;
mais tarde, descreve-se nadando mas sem conseguir chegar a terra fi rme),
ou a crescente obsessão pela imagem do litoral - que será chamado de
Miracelle por Mefi sto -, Reichenbach aproveita esta oportunidade temá-
tica para brincar à vontade com o constante uso de referências a outros
fi lmes e cineastas - característica que se apresenta em praticamente toda
sua obra, sendo nada menos que apropriado que a fi gura de Mefi sto surja
pela primeira vez no cartaz de um fi lme no cinema - e suas aparições e
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desaparecimentos sejam sempre marcados por óbvios truques de câmera
e/ou montagem. A ideia da representação surge como perfeita metáfora a
um dos temas centrais do fi lme: a constante busca pela utopia, referencia-
da pelos poetas que aparecem na obra, mas também de formas mais sutis,
como a marca de cigarro do protagonista que se chama Éden ou a própria
imagem da menina na praia.