Hatari! Revista de Cinema #04 Cinema Brasileiro Anos 80 | Page 27
Inovador do Ano no Festival de Rotterdam e diversos no Festival de Gra-
mado, Filme Demência conta a história de Fausto (Ênio Gonçalves, bri-
lhante): depois da falência da empresa de cigarro que herdou de seu pai e
após ser abandonado pela mulher logo depois de descobrir que ela estava
o traindo, ele rouba um revólver e atravessa São Paulo à noite, passan-
do por boates, bares, postos de gasolina, cinemas, muquifos, cruzando
com personagens marginais e intelectuais, com um objetivo: encontrar
o litoral que aparece em seus sonhos/visões e também frequentemente
em fotos e cartazes por onde passa. Em meio a isso, é perseguido por vi-
sões de uma menina de mais ou menos 10 anos e, claro, Mefi sto (Emílio
Di Biasi) em três formas, além da “clássica”: como empresário (“Eu sei
onde achar o Éden. Eu era o dono”), mendigo (“Miracelle”) e no fi nal
como uma senhora idosa (“O que está acontecendo agora não interessa”
“O que interessa?” “Seguir o caminho”) - talvez em referência mais di-
reta ao clássico de Goethe, onde Mefi stófeles diz a Fausto logo no início
que só pode se aproximar se ele aceitá-lo três vezes.
Apesar das várias referências a obras literárias e cinematográfi cas, da
quase inexistente relação de causa e efeito em suas cenas - que acaba
criando um tom episódico e surreal para a narrativa - Filme Demência
apresenta um humor e ritmo da montagem que claramente buscam uma
aproximação com o cinema mais comercial, que o roteiro teoricamente
tenta evitar com suas escolhas. O uso da repetição dos signos em todas
estas sequências (Mefi sto, a menina, o mar/água, a imagem do litoral)
também parece “facilitar o acesso” do grande público para suas ideias.
Poesias e discussões complexas caminham lado a lado com palavrões de
quinta categoria, e a belíssima trilha sonora de Manoel Paiva e Luiz Cha-
gas usa de instrumentos populares e diversos ritmos - mas é toda baseada
na partitura da Oitava Sinfonia de Gustav Mahler.
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