Hatari! Revista de Cinema #04 Cinema Brasileiro Anos 80 | Page 29

E trata-se de algo absolutamente perfeito que uma trama tão repleta de curvas e simbolismos se encerre com uma sequência de estrada em linha reta próximo ao litoral - e que em seu clímax, Fausto destrua um dos maiores signos associados a sua pessoa durante a obra: o espelho. Na história de Goethe, Fausto vende sua alma em troca de conhecimento, mas é apenas um joguete em uma aposta cruel entre Deus e Mefi stófeles. Para Thomas Mann, foi um pianista capaz de tudo pela perfeição. Para Sokurov, um cirurgião obcecado em encontrar a alma no corpo humano. Para Reichenbach, Fausto anda p elas ruas e não sabe o que quer. É quase um personagem do Neorrealismo, atravessando a tela, caminhando sem objetivo, afl igido pelo acaso. Chega a afi rmar que sequer tem uma alma para vender. Filme Demência talvez seja sobre vazio espiritual. E nesse sentido, talvez a cena fi nal seja menos um fechamento temático de suas complexas noções sobre a representação e mais sobre um pai encontran- do enfi m algum sentido para sua vida, mesmo que momentâneo: tranqui- lizar a sua fi lha de que o que a assustou foi apenas um pesadelo. 29