Não sei porque comecei a colecionar cascas de caracóis . Claro que sei , e por uma razão muito simples . Eram coisas lindas . Havia os grandes , com estrias roxas e irregulares , os cor de rosa – pálido , lisos , os meus favoritos , e os amarelos , que passado um tempo perdiam a cor e ficavam brancos . Todos tinham a espiral inscrita neles , e por isso gostava mais das cascas do que dos bichos vivos . Quando rastejavam depois da chuva eram criaturinhas nojentas e cómicas , com os pauzinhos ao sol naquele tecido rugoso e extraterrestre . Quando morriam e deixavam atrás de si a concha , era só a espiral que resplandecia , a maravilha de um centro a abrir-se para o mundo e a fechar-se para ele : a viagem de uma linha hipnótica . Também colecionava seixos , e não faltavam seixos no quintal , - de todas as cores , de todas as texturas , de todos os cheiros , de todas as amálgamas de rocha . Redondos , se fosse possível , reboludos , macios , a assomar à superfície da terra com aquela película de pedra cansada que têm os seixos do rio .
A casa do meu Avô Albano ficava em frente ao adro . Quando saía a procissão da Santa Marinha , com os santos todos nos andores , ele ia sempre . “ É a única vez no ano que os meus vizinhos saem à rua , então não havia de acompanhá-los ? É uma questão de boa vizinhança .”
Quando o conheci , o meu Avô materno era um velho inteligente , bonito , de cabelo branco e olhos cinzentos – perdera um deles e em seu lugar tinha um olho de vidro , que tirava e punha na mesa de cabeceira . Não me lembro disto , apenas de ouvir as minhas irmãs contar . Vivia naquela casa desde que nascera – uma grande e comprida casa branca com janelas de guilhotina , que fazia o gaveto entre duas ruas em frente ao adro . Gostava de jogar a sueca com os amigos , aos domingos à tarde , e de lançar um olhar irónico sobre tudo . Não tinha grandes ilusões , e por isso talvez lhe custasse viver , mas aquele horizonte era suficiente . Colaborava no Diário de Notícias com pequenas crónicas e fumava uns cigarrinhos enrolados à mão – mortalhas Ziguezague - , enquanto assobiava uma toada sem música ; a seguir batia com o cigarro nas costas da mão . E , depois , havia o outro Avô , Joaquim : o Avô do Cinema .
Penso na melancolia de ser velho . Olho para a minha Mãe , que parece uma ave depenada a quem as penas se vão desprendendo todos os dias , e vejo o brilho que lhe vai desaparecendo dos olhos . Aquela ardência em estar viva , o saltitar da alma , quase tudo foi embora . Excepto a teimosia de ser . As mãos tremem , os passos encurtam – o cérebro vai-se evaporando atrás de nomes de homens , Parkinson , mas não Alzheimer , não , isso não ,