Depois as uvas eram atiradas para o gigantesco tonel na obscuridade do telheiro , um lugar onde reinavam a palha , o cheiro acre do sarro e uma frialdade que parecia vir do início do mundo .
Os livros eram como água : límpidos , e nunca se sabia a profundidade . Qual foi o meu primeiro livro ? Talvez as histórias de fadas com ilustrações da Laura Costa . Se puxarmos com força por aquela grande couve , abre-se um alçapão e vamos dar a umas escadas e a um palácio encantado . Tens aqui dois carrinhos-de-linha , um branco e um azul escuro . Se desenrolares o branco , tens a luz do dia , se for o azul escuro tens a noite . A princesa tricotou doze camisas de ortigas para desencantar os cisnes seus irmãos . O sétimo filho é bruxo , já se sabe . E a Laura Costa fazia tudo isto com beicinhos de coral , cabelos encaracolados e flores em vasos , tudo tão bonito , tão espiralante que íamos atrás dos desenhos para dentro daqueles mantos e toucas de veludo , para dentro dos olhos tristes de uma filha a quem a mãe – ou a madrasta – maltratava . Os livros da Majora , e depois os da Ana de Castro Osório , foram o meu primeiro mar . As princesas da minha infância tinham todas olhos cor de pervinca e cabelos como estrigas de linho . Não fazia ideia do que eram pervincas ou estrigas de linho , mas eram de certeza coisas inultrapassáveis e encantadoras . Eu tinha uma fé absoluta nas palavras .
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