A escola ensinou-me demasiado respeito . Não foi preciso articular palavras ou escrever frases no quadro . O respeito estava nas pausas e nos suspiros escondidos da aldeia , na curvatura dos ossos , no ziguezague dos olhares inferiores – os operários , os trabalhadores do campo . Estava no brilho dos botões de punho , dos fumos de luto nas mangas dos casacos , no pigarrear dos velhos , no ruído branco que envolvia a bandeira da escola – que não precisava de adejar ao vento . O meu colo está cheio do sol desses dias . Melros . Cerejas . Alguidares de barro com vidrado verde e cintilante de chumbo . Folhas de árvores . Pratos partidos atirados às silveiras que depois ali ficam como ossos . O tempo nas gravuras à pena : a suspensão dos hemisférios da Terra , a angústia daquilo que está longe . Escrever a infância é uma longa lista , não de verbos , mas de coisas ao rés dos olhos . Os grandes planos das teias de aranha ou do orvalho e o desaparecimento súbito da infelicidade .
A Pampilhosa está envolta num cinturão de barro , vinhas , oliveiras e pinhais . Como dizia o José Régio , “ Vila do Conde , espraiada / entre pinhais , rio e mar ...”. Antigamente , da minha casa via-se o vale cor de prata totalmente coberto de centenas ou milhares de oliveiras que todos os anos eram duramente varejadas . E todos os anos alguém se feria ou morria na apanha da azeitona . O morro de barro foi comido pelas fábricas , os pinhais morreram com o nemátodo , as oliveiras centenárias foram cortadas e agora rebentam a um metro do chão , amputadas e tolas . Apenas as vinhas estão cuidadas , certas e aramadas
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