Fluir nº 8 - Novembro 2021 | Page 40

ENTREVISTA

F1 – Num número cujo tema é « matriz », principiemos por um dos vários significados da palavra , para lhe perguntar pelas suas fontes . Fale-nos da infância e da adolescência , do seu mundo primordial , das primeiras leituras .
Nasci no Baixo Alentejo , nos anos 40 , altura em que se iniciava a grande debandada de alentejanos rumo ao que hoje se chama a Grande Lisboa , recentemente industrializada . Os meus pais e eu fomos nessa enorme onda populacional , tinha eu dois anos . Levava a minha fala alentejana e foi ainda em ambiente alentejano que passei a infância . Absorvia entretanto a expressão lisboeta , objecto duma curiosidade imparável . Lia tudo quanto encontrava , que não era tanto como hoje seria , mas suficiente para enervar a professora primária , pois poucos ditados arranjava que eu não conhecesse de cor . Hoje , adoraria reencontrar esses livros e bandas desenhadas , de que só recordo Céu aberto , de Virgínia de Castro e Almeida , que reli até gastar as páginas .
F2 - O interesse pela Língua Portuguesa como fonte de curiosidade e perplexidades vem de cedo ? Quando percebeu que se lhe dedicaria seriamente ?
Foi com essa mistura de alentejano e lisboeta que , aos dez anos , parti para Braga . Imagine-se o embate que tive com essoutro português , cheio de novas sonoridades e outra gramática . Sim , ali os colegas eram vós , e as correspondentes formas verbais , aprendidas na escola , revelavam-se reais . Adaptei-me , por pura questão de sobrevivência . Mas era já uma terceira forma de português que eu enfrentava , sabendo-se que , há 60 anos , a mobilidade no país era bem menor e as falas regionais ainda muito marcadas . Isto despertavame a curiosidade , e mantinha-me atento às novidades de toda a ordem que o idioma guardava . Tudo isso fez desenvolver em mim uma atenção contínua à língua portuguesa como sistema , como estrutura . Em suma : o linguista nasceu ali .
F3 - O afastamento para longe de Portugal e a aprendizagem de outras línguas , pouco faladas por nós , tiveram algum efeito sobre a sua forma de olhar para o português ? Redescobriu-o , em algum sentido , a partir dessa distância ?
A saída de Portugal aos 25 anos levou-me a um novo cenário , bem mais inovador que os que tivera no País . Os Países Baixos são um mundo profundamente diferente do nosso , e em ���� eram-no ainda mais . A minha vontade de adaptarme , mais a curiosidade agora por um novo idioma , levaram-me a aprender rapidamente o neerlandês , ou holandês . Compreensivelmente , passava o tempo comparando as duas línguas ,