O anfitrião , mal entrámos , pôs-se a falar em inglês com um aparelhómetro , uma espécie de coluna sonora pousada numa mesinha , que ele tratou por « Siri ». Vamos chamar Júlio a este homem . Em tom aveludado , o Júlio ordenou à « Siri » que acendesse as luzes da sala e que pusesse a tocar a música . A máquina , antes de obedecer , respondeu numa voz feminina de ciber-escrava . Aquilo incomodou-me tanto que tive de sair da sala . Fugi para a cozinha , mas o Júlio seguiu-me . Queria muito falar da « Siri ». Pôs-se a enumerar tudo o que ela fazia . Disse-me que só não usava uma das funcionalidades do aparelho : trancar a porta da rua por comando de voz . Tinha medo de que um pirata informático entrasse à socapa no sistema e lhes assaltasse a casa . Quando saímos , eu disse à minha mulher que não voltava lá mais . Tanto na voz da « Siri » como na voz com que o Júlio a interpelou havia qualquer coisa de sinistro , a horrível afabilidade com que tentamos disfarçar uma distância intransponível . Ou até , pior ainda , o tom melífluo que imagino nas primeiras frases dos fulanos que ligavam para o 144 , a masturbarem-se . Ou ainda a voz pedante e ligeiramente aborrecida do assassino em série a que Skarsgård dá corpo , a prolongar o monólogo antes da violência feroz . E o que mais me incomodou foi perceber que a « Siri » constituiu , para o Júlio , o concretizar de uma pequena utopia e que , doravante , ele se considerará diminuído se não possuir em casa aquela presença .