Ele nessa noite mal conseguiu dormir . Deitou-se muito direitinho na cama com medo de que o bem lhe fugisse . Parecia que o encanto podia fugir a qualquer momento . Eu dei-lhe um abraço grande mas de mansinho para ele não se partir e ele disseme « Rosinha , obrigado , estás aqui comigo ». Eu só queria correr pelo hotel porque sentia uma energia imensa que era a paz e o conforto de lidar com pessoas santas que queriam muito curar os outros . E até o meu marido parecia santo , com aura , uma névoa de alegria tinha caído sobre ele . Eu andava ali de roda com jeitinho para não espantar a névoa . É como me ocorre explicar . No dia seguinte é que foi o diabo . Na segunda manhã já estávamos mais à-vontade com os procedimentos , sabíamos ir para a bicha , esperar a nossa vez , e entretanto chegámos à fala com os outros portugueses . Muitos vinham de Lisboa , como nós , mas havia outros lá de cima , e do Alentejo e da Madeira . Era gente de todo o lado do país . Muitos foram pelo vídeo mas quase todos falavam do doutor das Caldas por lhes ter dado alento . E estávamos nisto de falar quando me deu uma vontade repentina de ir à casa de banho . Portanto , pedi à portuguesa de trás para olhar pelo meu marido . Quando voltei disse-me ela « O seu esposo já está no tratamento », mas não me sabia indicar em que tendinha porque os filipinos o tinham levado uma vez que eu não estava . Eu queria muito chegar ao pé dele para ver de novo o mal a sair , e até para ver a cara dele , assustada do sangue mas feliz da cura . E foi assim que encontrei a tendinha improvisada onde o tinham metido . Sem querer , dei com os filipinos pelas costas . Ainda quis dizer « Desculpem , eu vou pela frente » mas fiquei calada porque vi o jeito com que um deles escondia a mão atrás das costas depois de a ter levado à bacia de água-santa . E era com essa mão que ele segurava a tripinha de carne . Enrolava-a com os dedos para disfarçar melhor e ia dizendo ao meu marido « Very calm now , very calm ». Eu faltou-me logo o ar . Fugi e desatei a correr de volta para a casa de banho . Foi como ver um desastre de automóvel . Mas era eu que ia ao volante . Doeu-me o corpo todo e a alma toda . Fiquei muito apertada , vomitei o pequeno-almoço e foi difícil conter o choro . Não sei porquê , lembreime das vistas vazadas da minha avó e chorei mais porque custava muito deixar de ser cega . Agora , ver doía . Mesmo assim , aguentei para voltar para junto do meu marido . Quando lá cheguei , o tratamento já tinha acabado e bastou-me acompanhá-lo ao quarto . Ele notou a minha cara , perguntou « Que é que tens ?» mas eu soube logo que precisava de engolir tudo para não lhe estragar a felicidade . E engoli mesmo e fomos dormir . Ele dormiu , eu não . Acompanhei-o ao terceiro tratamento mas desta vez fiquei fora da tendinha . Queria falar com as outras pessoas . A mulher do dia anterior , que agora tinha uma máquina de filmar , uma daquelas gigantes