Fluir nº 11 - Abril 2023 | Page 25

e potente , mas também marcada por uma certa distância e densidade de pensamento ; o que nos convinha perfeitamente , mas que teria sido impensável nas minhas aulas . Precisava de encontrar um outro tom e uma nova destreza , uma palavra que estivesse mais de acordo com a realidade vivida pelos meus alunos , onde o lugar fosse aquele em que eles me escutavam e não aquele onde eu falava . A palavra é sempre ' metade de quem a pronuncia , metade de quem a escuta ', diz Montaigne ; tenho-o em conta quando ensino , mas também quando escrevo as bandas desenhadas , ao mesmo tempo que me mantenho extremamente vigilante quanto ao rigor conceptual daquilo que desejo transmitir . Há já alguns anos que não me interesso unicamente pelo estatuto do discurso , mas também pela dimensão visual do ensino . Dou aulas numa escola de ensino superior de artes e design . Convivo com um universo de trabalho centrado no visual e na imagem . Os estudantes de grafismo , quer seja em imagem da comunicação ou em imagem da narrativa , permitiram-me que abrisse os olhos sobre algo fundamental na abordagem pedagógica : mesmo o discurso mais conceptual ou mais abstracto pode explorar as possibilidades da imagem e as formas de expressão visual . De uma forma mais pragmática , tinha escrito duas obras de filosofia para a juventude na Gallimard ( À Table ! Petite Philosophie du repas e Lire , à quoi bon ?) que tinham como vocação pôr as ideias filosóficas à mão de semear dos mais jovens , inscrevendo-as nas experiências do quotidiano . Quando as edições Belin Education , um editor pedagógico , e La Boîte à Bulles , um editor de bandas desenhadas , se associaram e me submeteram o projecto , disse para comigo que se tratava de um desafio interessante a experimentar .
Fluir - Durante bastante tempo a banda desenhada foi vista como uma arte menor e apenas lúdica . Nos nossos dias , em França , a BD desembarca em todo o seu esplendor no Collège de France e na Academie Française . De que forma é que este volte-face , que também surpreende as mentalidades mais conservadoras , sobretudo nos meios intelectuais , vem beneficiar a literatura e , evidentemente , a aprendizagem em geral ? A filosofia em particular ?
Não sei o se passa em Portugal , mas é verdade que em França a banda desenhada sofreu de um certo descrédito durante muito tempo . Só nos últimos cinquenta anos que ela se tem interrogado sobre o seu lugar e legitimidade no seio da literatura , mas também no seio das artes visuais . Ela goza , actualmente , de um reconhecimento crescente : como bem o recordas , Benoît Peeters foi eleito , no ano passado , para a cadeira de criação artística do Collège de France ; este ano , Catherine Meurisse para a Academie Française .
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