Fluir nº 1 - setembro 2018 | Page 7

Fluir nº1 - Renascimentos - 2018 se, por exemplo, entre outros assuntos aparentemente triviais, como consolar um vizinho entristecido ou tomar conta da casa. O capítulo I trata da libertação do medo da morte, momento central na vida de Montaigne, que ocorre após uma queda quase fatal ao passear a cavalo nas redondezas da sua propriedade. Esta libertação surge como um verdadeiro renascimento e torna-se determinante no seu pensamento e reflexões futuras. Apesar de escritos há mais de 400 anos, num tempo diferente do nosso, a leitura dos ensaios leva-nos com frequência a vivenciar uma inesperada familiaridade que anula a distância entre nós e Montaigne, dando a ideia que nas suas reflexões o filósofo está a falar de nós e para nós. A autora dá exemplos de escritores como Virginia Woolf, Emerson, Gide, Stefan Zweig e Flaubert, e também de gente comum que vêem nos ensaios um espelho magnífico, uma companhia para a vida, o melhor amigo que se pode ter, justamente por ser uma obra de profunda reflexão a partir da própria experiência sobre a condição de se ser humano. O livro de Sarah Bakewell é, como já disse, sobre o homem e o escritor. Mas é mais do que isso porque tendo sido escrito no século XXI traz as marcas do nosso tempo dando-nos a ver o filósofo à luz do que hoje somos. No final da biografia, ficamos com a convicção que Montaigne viveu cultivando o presente, o único tempo que existe, como notaram os pensadores gregos que o influenciaram, e consciente da impermanência, talvez a maneira mais verdadeira de existir. Após ler este livro, tomei para mim o conselho de Flaubert a um amigo, citado por Sarah Bakewell na introdução, sobre a forma de abordar os ensaios de Montaigne: “Don't read him as children do, for amusement, nor as the ambitious do, to be instructed. No, read him in order to live.” Joana Pontes 17.10.2017 7