Fluir nº1 - Renascimentos - 2018
se, por exemplo, entre outros assuntos aparentemente
triviais, como consolar um vizinho entristecido ou
tomar conta da casa.
O capítulo I trata da libertação do medo da morte,
momento central na vida de Montaigne, que ocorre
após uma queda quase fatal ao passear a cavalo nas
redondezas da sua propriedade. Esta libertação surge
como um verdadeiro renascimento e torna-se
determinante no seu pensamento e reflexões futuras.
Apesar de escritos há mais de 400 anos, num tempo
diferente do nosso, a leitura dos ensaios leva-nos com
frequência a vivenciar uma inesperada familiaridade que
anula a distância entre nós e Montaigne, dando a ideia
que nas suas reflexões o filósofo está a falar de nós e
para nós. A autora dá exemplos de escritores como
Virginia Woolf, Emerson, Gide, Stefan Zweig e
Flaubert, e também de gente comum que vêem nos
ensaios um espelho magnífico, uma companhia para a
vida, o melhor amigo que se pode ter, justamente por
ser uma obra de profunda reflexão a partir da própria
experiência sobre a condição de se ser humano.
O livro de Sarah Bakewell é, como já disse, sobre o
homem e o escritor. Mas é mais do que isso porque
tendo sido escrito no século XXI traz as marcas do
nosso tempo dando-nos a ver o filósofo à luz do que
hoje somos. No final da biografia, ficamos com a
convicção que Montaigne viveu cultivando o presente, o
único tempo que existe, como notaram os pensadores
gregos que o influenciaram, e consciente da
impermanência, talvez a maneira mais verdadeira de
existir.
Após ler este livro, tomei para mim o conselho de
Flaubert a um amigo, citado por Sarah Bakewell na
introdução, sobre a forma de abordar os ensaios de
Montaigne: “Don't read him as children do, for
amusement, nor as the ambitious do, to be instructed.
No, read him in order to live.”
Joana Pontes
17.10.2017
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