Fluir nº1 - Renascimentos - 2018
minha terra. Quando percebi que tinha de me separar
dos meus pais e esse abandono era irreversível, isso
magoou-me muito, muito fundamente, e era
complicado para mim porque acreditava naqueles ideais
de construir uma sociedade nova lá, um país novo, uma
coisa diferente; por outro lado, a minha segurança, do
ponto de vista físico não estava assegurada, as coisas
eram muito perigosas, havia muita violência, havia o
perigo de eu ir parar às forças armadas, o que os meus
pais queriam evitar, portanto eu queria vir, não queria,
mas tinha de vir. Há uma grande ambivalência dentro
de mim naquela altura mas o retorno era impossível de
evitar.
Como é que eu encontro Portugal quando chego? Bem,
é um lugar seguro, onde posso ir à rua em segurança,
ninguém faz mal, Portugal está ainda, economicamente,
desequilibrado, mas viver em paz é sempre importante.
Depois, o que vejo na metrópole? Não estava nada à
espera de ver aquilo que encontrei; não estava à espera
de ver uma terra tão pobre, de as pessoas serem tão
atrasadas e sobretudo muito fechadas, com muito
pudor, e acho que tudo isso ainda hoje se mantém. As
pessoas são conservadoras, fechadas, têm muito pudor,
olham muito para os outros, dão muita atenção ao que
os outros pensam de si e do mundo, e havia uma
pequenez que não esperava encontrar porque esperava
uma terra muito, muito desenvolvida, muito civilizada,
muito avançada, onde havia tudo aquilo que nas
províncias ultramarinas não havia. Quando nós, lá,
queríamos uma coisa qualquer, da última moda, onde é
que isso existia? Na metrópole, lá, não, portanto
obviamente foi uma grande decepção, mas por outro
lado era um lugar em paz e isso é inegável.
4 – Moçambique, como tema, é uma presença importante
nos seus livros. Para além da temática, de que outra
forma sente que Moçambique e a África se tornaram
importantes na sua sensibilidade, no seu olhar e
portanto na sua escrita?
Eu nasci em Moçambique, vivi lá os primeiros 13 anos
da minha vida, e os 13 primeiros anos da nossa vida são
muito importantes; determinam, provavelmente, tudo
aquilo que vamos ser no futuro, portanto o que sou
hoje depende daquilo que fui no passado em
Moçambique, depende do local do meu nascimento, das
características culturais desse local, do contexto colonial
no qual eu também nasci e cresci, de tudo daquilo que
rodeava esse contexto colonial e que era tropical, e
portanto aquilo que sou hoje é o resultado do que fui
antes, enquanto menina branca moçambicana, menina
branca africana. Não é possível esquecer o meu
passado, não estou a esquecer a minha infância que me
marca de forma determinante, portanto é natural que,
nos meus livros, Moçambique esteja tão presente, ou a
forma como o colonialismo se exercia, e depois a forma
como se deu a descolonização, como se deu a
independência, como se deu o regresso a Portugal: tudo
isso foram anos muito traumatizantes cheios de vida, de
uma grande riqueza, de experiências e, na verdade, esta
riqueza de experiências é que torna um percurso de vida
interessante; mas o que quero dizer é que se eu sou
escritora, isso precisa de se reflectir na minha escrita;
sinto necessidade de reflectir essa experiência de vida,
bastante fracturante, naquilo que escrevo, mas não sou
uma escritora africana. Considero-me uma escritora
portuguesa muito influenciada por um passado colonial.
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