Fluir nº1 - Renascimentos - 2018
ENTREVISTA
com Isabela Figueiredo
1 - Como foi e o que significou para a Isabel ter crescido
em Moçambique? Como era a sua vida, os seus grupos, o
que lhe interessava, o que lia?
Para responder a esta questão é preciso contextualizar a
minha infância. Sou uma filha única e tardia, que foi
bastante protegida pelos pais no sentido em que não
tinha muita liberdade para andar sozinha na rua nem ter
grupos, isso por um lado. Por outro lado, era também,
naquela altura em que vivia em Moçambique,
demasiado nova para ter grupos. Não esqueçamos que
eu vim para Portugal a um mês de fazer 13 anos,
portanto não se pode falar de um grupo exactamente:
tinha amigas (apenas amigas, não amigos, não me era
autorizado conviver com rapazes), normalmente mais
velhas do que eu, filhas de outros bancos portugueses
que lá viviam. Como era a minha vida? Era a vida
normal de uma menina que é protegida, muito bem
educada pelos seus pais para superar a classe social à
qual eles pertenciam; o objectivo da minha formação,
da minha educação, é esse: superar um estigma social
que é o dos meus pais, que eram boas pessoas, mas que
vinham de uma de uma vida bastante pobre, sobretudo
o meu pai em Portugal. O que é que eu lia? Lia tudo, os
meus pais não eram pessoas propriamente cultas,
embora fossem bem formadas humanamente e
religiosamente; não tinham uma cultura que permitisse
apoiar as minhas leituras, portanto eu lia tudo, escolhia
normalmente os livros pelos títulos, muitos, ou pelas
indicações que me davam na Biblioteca Itinerante da
Gulbenkian, ou que as minhas amigas tinham lido e de
que tinham gostado, e era assim que encaminhava as
minhas leituras, não de outra forma.
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2 - Nessa altura, como imaginava a «Metrópole» e a
Europa? Dulce Cardoso, por exemplo, inicia O Retorno
com a imagem da Metrópole como um lugar onde as
raparigas usavam brincos de cerejas nas orelhas. A
Isabel tinha, também, uma Metrópole e uma Europa
mitificadas, ideais, ansiadas?
Não é fácil essa sua pergunta sobre como é que nós
idealizávamos a metrópole. Penso que a questão dos
brincos de cerejas venha de um livro que havia na
altura, da Verbo Ilustrado, que as meninas liam,
chamava-se Os Brincos de Cereja e mostrava ilustrações de
uma rapariga com umas cerejas penduradas nas orelhas.
Mas havia de facto uma idealização de uma terra, a
metrópole, uma terra europeia bem organizada,
civilizada, por outro lado também muito ruralizada,
ligada àquilo que é o nascimento dos frutos (frutos que
nós não conhecíamos, estes frutos europeus, claro, que
entre nós não existiam), de árvores, das estações do ano
muito diversificadas, que também não tínhamos, porque
estava sempre calor, e achávamos que Portugal era o
máximo, que Portugal era como a Suíça, eu digo
sempre: que era como a Suíça, muito rural, muito
bonito, muito verde e muito desenvolvido, muito
civilizado
3 – Que Portugal encontrou, quando veio
definitivamente? Como foi a sua experiência da vinda?
Qual foi a minha experiência de vinda?
Foi complicada por sentimentos misturados. Por um
lado eu queria vir, porque estava numa idade em que
queria ser independente, separar-me dos meus pais,
como todos os adolescentes. Por outro lado não queria
vir porque me sentia moçambicana e era sempre a