Fluir nº1 - Renascimentos - 2018
5 - Convive com a arte, a literatura, ou poesia africanas
e moçambicanas? Há artistas moçambicanos (falo de
artistas para que não tenha de restringir a sua resposta
à literatura) de que gosta particularmente?
Devo dizer que não convivo particularmente com
artistas moçambicanos ou africanos. Gosto do João
Paulo Borges Coelho, da sua literatura, e da Paulina
Chiziane, sobretudo pelo facto de ser uma mulher negra
e feminista, o que é um risco. É um risco ser feminista
numa terra onde eu noto tanto patriarcado. Em
Moçambique, noto que a sociedade é muito patriarcal e,
portanto, é um risco para ela; é de uma grande coragem
e gosto da coragem dela.
Não tenho grandes referências. Saí de Moçambique há
muito tempo e o problema é que me apercebi
recentemente que não tem um investimento na cultura
que justifique o aparecimento de grandes fenómenos
culturais. Para haver um investimento na cultura será
necessário existir um sério investimento na educação, e
portanto isto é uma pescadinha de rabo na boca. Em
Moçambique, se a educação não é suficientemente boa,
a cultura também não será, e também não aparecerão
grandes talentos ou serão raros. Apercebi-me disso na
minha última e única estada em Moçambique, no final
do ano passado, portanto não tenho muito a dizer sobre
este assunto, infelizmente.
6 - Que autores, em geral, foram fundamentais no seu
percurso? Muitos portugueses? Muitos de outras
nacionalidades?
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Muitos portugueses, muitos de outras nacionalidades.
Portugueses: li os autores do neo-realismo. Nos anos 70
lia-se muito Alves Redol, Manuel da Fonseca,
José Rodrigues Miguéis, Carlos de Oliveira. De outras
nacionalidades, li muito autores e autoras britânicos;
estou a falar das irmãs Brontë, estou a falar de Virgínia
Woolf, Charles Dickens. Li os russos muito cedo:
Tolstoi, Dotoyevski, sobretudo clássicos. Portanto os
que me influenciaram, diria que foram estes que acabei
de referir.
7 - «Memórias Coloniais» é um livro muito crítico em
relação a um certo discurso de ex-colonos, saudosos de
um «mundo encantador», que a Isabela denuncia. Mas
sente alguma nostalgia - não propriamente um desejo do
regresso ao passado, mas a saudade de uma vida que
lhe marcou a juventude? Ou diria que cortou os laços (até
onde possível), resolveu o assunto, e renasceu como
portuguesa em Portugal?
Pois é isto mesmo, de facto renasci como portuguesa
em Portugal, e tenho o assunto, diríamos que a 75%
resolvido, e se não cortei os laços é porque não é
possível cortá-los, mas tenho a certeza absoluta que não
desejo voltar ao passado, que esse passado dourado,
esse mundo encantador escondia muita dor, muita
injustiça, que eu vi quando era jovem, quando era
criança, quando era adolescente, eu vi essa dor, e pude
denunciá-la no Caderno de Memórias Coloniais, e não
queria voltar a ela, e desejo que Moçambique, o mais
depressa possível, consiga ultrapassar os traumas
coloniais e tornar-se naquilo que merece ser, que é uma
grande terra, um grande país, um país maravilhoso, um
paraíso para os moçambicanos e para aqueles que o
visitarem. Não desejo regressar ao passado. Estou em
Portugal, sou uma moçambicana, filha de portugueses,
tive um educação europeia, e hoje se reconhece como
uma moçambicana ou como uma portuguesa nascida
em moçambique.