Fluir nº 1 - setembro 2018 | Page 25

Fluir nº1 - Renascimentos - 2018 despertaDOR Ana Marques 1. Fala-me do teu percurso como artista, até chegares a esta escultura. O que te interessou, o que te influenciou, o que te formou - e que outras obras criaste? Nunca me considerei uma artista porque a minha formação é em design de comunicação e tem sido nessa área que mais tenho trabalhado paralelamente à minha profissão na área do ensino. Estou em constante produção, e grande parte do que faço é-o em regime de voluntariado, por isso nem aparece com a minha assinatura. Nos últimos anos, porque estou envolvida num projecto de doutoramento, dei um novo rumo à minha actividade (extra-curricular). Tinha feito um mestrado na área multimédia e continuo nesse caminho. Estava nos últimos anos da licenciatura quando começou a era informática, ainda sem fazer parte dos currículos, e foi a minha curiosidade que me levou a descobrir e a querer aprender sobre essa relação arte/computador, não sem alguma resistência a aceitar a arte computacional, por isso não explorei a programação, hoje com algum lamento por essa opção. A obra com mais exposição mediática foi a Arbor, precisamente por ter esse componente que a diferencia de uma mera escultura: a interactividade. 2. Detenhamo-nos no despertaDOR, exposto na Bienal de Cerveira. O que é esta obra, na sua forma e no seu conceito? Sempre fui uma defensora de todas as vidas e em particular as dos que não têm voz para se defender. Os animais estão nesse grupo e por isso eu tinha de fazer alguma coisa por eles, além de salvar o cão e o gato de rua, vítima de abandono ou violência, tão comuns no dia-a-dia. Eu, como a maior parte das pessoas, vivemos uma vida sem perceber o dano que causamos aos outros, sem ter noção de que a vida dos outros depende de nós, dos nossos actos, das nossas opções. E cada um de nós pode fazer a diferença. A mensagem é dura – revela a dor que infligimos aos animais para satisfazer prazeres de curta duração: o bife no prato, o espectáculo acrobático no circo, a tourada, os sapatos de pele, os testes em laboratório… São vidas inteiras condenadas ao sofrimento e isso é completamente absurdo no século XXI. Foi isso que quis mostrar quando propus às minhas colegas de projeto (o CADA, na escola) que devíamos mostrar, através dos meios que temos, a realidade atrás das jaulas, das grades – a realidade que 95% das pessoas teimam em não ver. O despertaDOR nasceu na escola e era uma peça analógica, tradicional. Depois alterei-o numa peça autónoma, que pudesse viajar para qualquer lugar onde pudesse passar a mensagem. Os cartazes de papel transformaram-se em vídeos, para os quais convidei alunos de 12º ano (agora alunos de faculdade) a colaborar. O despertaDOR está neste momento a transitar para a sua IV versão. 3. Como se distingue - será, sequer, fundamental distinguir -, no despertaDOR, o manifesto eficaz, isto é, um instrumento de intervenção, e a obra de Arte? Os elementos de intervenção e a arte são indissociáveis. Se assim não fosse, a arte não seria veículo de protesto, de inconformidade, de rebelação (sei que é um erro, substitui a palavra mas isto devia existir). É um instrumento de intervenção sim, incomoda, alerta. Sua intenção é fazer as pessoas pensar, sugerindo que se 25