Fernando Meirelles na TRIP 1 | Page 4

páginas negras “Meu negócio era desacelerar, nunca fritar. Tomei menos LSD do que deveria. O estado de paz é que me deixava feliz, mais do que alguns efeitos especiais” transformar o espetáculo num PowerPoint baixo-astral. Fico espantado com como a maioria das pessoas ignora o risco de não termos futuro. Na minha opinião, já dançamos. Infelizmente. Além da festa, a cerimônia defendia uma visão do Brasil. Para você, que país é este? Esta era a pergunta de 1 milhão de dólares. Para responder, fomos a algumas pessoas que admiramos: José Miguel Wisnik, Eduardo Giannetti, Caetano Veloso, Gil, Mario Mantovani [do S.O.S. Mata Atlântica] e outros brasileiros que pensam o Brasil. Fechamos em três eixos que nos definem. Nossas florestas e a sua riquíssima biodiversidade. O fato de sermos um povo misturado, o que, a princípio, nos faz mais tolerantes (embora neste momento a coisa esteja meio feia). E o talento para aproveitar a vida, uma alegria atávica que temos. Mais de 3 bilhões de pessoas assistiram à festa de abertura das Olimpíadas, com várias mensagens ambientais. Que legado você gostaria que a cerimônia tivesse deixado? De concreto, a cerimônia vai deixar a Floresta dos Atletas no Parque Radical [na zona oeste do Rio], onde serão plantadas as 12 mil mudas que os atletas semearam na abertura dos jogos. Mais que essas árvores, gostaria que o legado fosse a mensagem passada nos gráficos que falavam sobre aquecimento global. (Espaço para pergunta, para a resposta não ficar muito longa. Quem sabe, perguntar como as árvores entraram aí.) Boa ideia: como as árvores entraram aí? Dos gases de efeito estufa, os oceanos absorvem 25% e as árvores e vegetação, outros 25%. Os 50% restantes se acumulam na atmosfera e esquentam o planeta. Replantar florestas é o modo mais rápido, simples, eficiente e barato de trazer de volta o carbono e mitigar o aquecimento global. E os gráficos? Depois do bailão com o Jorge Benjor, o tom mudou. Mostramos quatro gráficos que contavam uma história de causa e efeito: como o combustível fóssil vai parar na atmosfera, a aceleração do aquecimento do planeta na última década, o derretimento das calotas polares por causa disso e, finalmente, o que vai acontecer com várias cidades por causa da elevação do nível do mar. A projeção terminou com a imagem chocante do Rio de Janeiro sendo invadido pelo mar, o que deve acontecer em algumas décadas. Gostaria de ter sido mais claro, mas não dava para 16 O Brasil já foi descrito como um país alegre e um país triste (Gilberto Freyre e Paulo Prado, por exemplo). Por que você considera alegre? Apesar dos motivos históricos para tristeza, como os 300 anos de escravidão, sinto que somos um país com inclinação para ser feliz, e nossos consultores não discordam. Olho pela janela e vejo isso. Simples assim. Não por acaso, usamos Ary Barroso na entrada da delegação brasileira. A imprensa só falava em zika, impedimento, assaltos e cocô na baía de Guanabara. Nossa resposta foi falar “deste Brasil que canta e é feliz, feliz, feliz”. Foi como usar Ary para dizer “xô, urubu”. Abertura das Olimpíadas, o filme Cidade de Deus, casamento de mais de 30 anos. Você prefere projetos monumentais? Não é a escala que me move, é o risco da empreitada. Não sei por que sempre me coloco em situações-limite (e aqui excluo o casamento da lista). Criança, enfiava a mão em grade para agradar cachorros que vinham latindo para mim, subia no galho mais alto da árvore... Uma ludoterapeuta na época disse que eu queria me matar, pois me sentia culpado pela morte de um irmão mais velho, que morreu atropelado aos 7 anos [Meirelles tinha apenas 4 anos]. O fato é que me autossabotei muitas vezes na vida, ainda não me livrei disso. “não é a escala que me move, é o risco da empreitada. não sei por que sempre me coloco em situaçõeslimite” Vestido de aqualouco, em foto do arquivo pessoal