páginas negras
“Meu negócio
era desacelerar,
nunca fritar.
Tomei menos LSD
do que deveria.
O estado de
paz é que me
deixava feliz,
mais do
que alguns
efeitos
especiais”
transformar o espetáculo num PowerPoint
baixo-astral. Fico espantado com como a
maioria das pessoas ignora o risco de não
termos futuro. Na minha opinião, já dançamos. Infelizmente.
Além da festa, a cerimônia defendia uma
visão do Brasil. Para você, que país é este? Esta era a pergunta de 1 milhão de dólares. Para responder, fomos a algumas pessoas que admiramos: José Miguel Wisnik,
Eduardo Giannetti, Caetano Veloso, Gil, Mario Mantovani [do S.O.S. Mata Atlântica]
e outros brasileiros que pensam o Brasil.
Fechamos em três eixos que nos definem.
Nossas florestas e a sua riquíssima biodiversidade. O fato de sermos um povo misturado, o que, a princípio, nos faz mais tolerantes (embora neste momento a coisa
esteja meio feia). E o talento para aproveitar a vida, uma alegria atávica que temos.
Mais de 3 bilhões de pessoas assistiram à festa de abertura das
Olimpíadas, com várias mensagens ambientais. Que legado
você gostaria que a cerimônia tivesse deixado? De concreto, a
cerimônia vai deixar a Floresta dos Atletas no Parque Radical [na
zona oeste do Rio], onde serão plantadas as 12 mil mudas que os
atletas semearam na abertura dos jogos. Mais que essas árvores,
gostaria que o legado fosse a mensagem passada nos gráficos
que falavam sobre aquecimento global. (Espaço para pergunta,
para a resposta não ficar muito longa. Quem sabe, perguntar
como as árvores entraram aí.)
Boa ideia: como as árvores entraram aí? Dos gases de efeito estufa, os oceanos absorvem 25% e as árvores e vegetação, outros 25%.
Os 50% restantes se acumulam na atmosfera e esquentam o planeta. Replantar florestas é o modo mais rápido, simples, eficiente e
barato de trazer de volta o carbono e mitigar o aquecimento global.
E os gráficos? Depois do bailão com o Jorge Benjor, o tom mudou. Mostramos quatro gráficos que contavam uma história de
causa e efeito: como o combustível fóssil vai parar na atmosfera,
a aceleração do aquecimento do planeta na última década, o derretimento das calotas polares por causa disso e, finalmente, o que
vai acontecer com várias cidades por causa da elevação do nível
do mar. A projeção terminou com a imagem chocante do Rio de
Janeiro sendo invadido pelo mar, o que deve acontecer em algumas décadas. Gostaria de ter sido mais claro, mas não dava para
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O Brasil já foi descrito como um país alegre e um país triste (Gilberto Freyre e
Paulo Prado, por exemplo). Por que você considera alegre? Apesar dos motivos históricos para tristeza, como os 300
anos de escravidão, sinto que somos um
país com inclinação para ser feliz, e nossos consultores não discordam. Olho pela
janela e vejo isso. Simples assim. Não por
acaso, usamos Ary Barroso na entrada da
delegação brasileira. A imprensa só falava
em zika, impedimento, assaltos e cocô na
baía de Guanabara. Nossa resposta foi falar
“deste Brasil que canta e é feliz, feliz, feliz”.
Foi como usar Ary para dizer “xô, urubu”.
Abertura das Olimpíadas, o filme Cidade
de Deus, casamento de mais de 30 anos.
Você prefere projetos monumentais? Não
é a escala que me move, é o risco da empreitada. Não sei por que sempre me coloco em situações-limite (e aqui excluo o
casamento da lista). Criança, enfiava a mão
em grade para agradar cachorros que vinham latindo para mim, subia no galho
mais alto da árvore... Uma ludoterapeuta
na época disse que eu queria me matar,
pois me sentia culpado pela morte de um
irmão mais velho, que morreu atropelado
aos 7 anos [Meirelles tinha apenas 4 anos].
O fato é que me autossabotei muitas vezes
na vida, ainda não me livrei disso.
“não é a
escala que
me move, é
o risco da
empreitada.
não sei
por que
sempre me
coloco em
situaçõeslimite”
Vestido de aqualouco, em
foto do arquivo pessoal