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Como foi? Um senhorzinho bateu no meu carro parado num sinal. Nada de mais. Saí do carro para conversar, mas a mulher dele, uma senhora gorda com cara de buldogue, não deixava a gente falar. Ela repetia que eu havia batido e estava sendo desonesto. Uma hora não aguentei e disse que dava para ver como ele era infeliz desperdiçando a vida ao lado daquela bruaca( chamei a mulher dele de bruaca). Senti que fez sentido dentro dele. Só que disse isso aos berros, num fluxo. Sabia que estava dando um piti ridículo no meio da rua. Fui embora assustado comigo mesmo. |
E as outras duas? Na filmagem de um comercial em Los Angeles, um bombeiro entrava num prédio em chamas para salvar um engradado de cerveja. À meia-noite fecharam o Santa Monica Boulevard, onde ficava o prédio preparado para ser queimado. Mas o cara do efeito [ especial ] não me deixava fazer nada. A câmera não podia ficar onde eu queria, o ator não podia atravessar a porta de fogo como combinado, nada podia. Às 3 da manhã, gritei que ele era um pain in the ass etc. Diretorzinho cucaracha histérico, mas funcionou, pude filmar. Entendi ali o que é perder o controle, como alguém pode dar uma facada ou um tiro em alguém. A terceira não conto. Tenho vergonha.
Quando começou a se interessar pela questão ambiental? Sempre gostei de árvores. Em 2006, comecei a refazer uma mata ciliar na minha fazenda. Daí fui picado pelo vírus, planto sem parar. Do interesse por árvores e florestas, cheguei ao clima,
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À esq., Meirelles com o parceiro Marcelo Tas na União Soviética, em 1985. Acima, a turma da produtora Olhar Eletrônico: Tas, Marcelo Machado, Meirelles e Toniko Melo, com a amiga Graça Marques, em 1983
“ Tive uma puberdade tardia, foi muito traumático. Aos 17, meus amigos já transavam e eu era um pirralho impúbere” a grande questão que temos pela frente. Nada é mais urgente. O problema é que as mudanças climáticas, apesar da velocidade assustadora, são muito lentas pro jornalismo. Os radares das redações não captam esse movimento de décadas.
Mas a mídia está cheia de notícias sobre a catástrofe climática. Será que o problema não é mais nosso imediatismo do que falta de informação? Assim como a indústria do tabaco pagava estudos para provar que o cigarro não fazia mal à saúde, a indústria do petróleo também banca think tanks como Heartland para negar o aquecimento global e sua relação com o combustível fóssil. Fora essa contrainformação criminosa, de fato a maioria das pessoas não pensa a longo prazo. O problema é que o que deveria acontecer em 2030 já está batendo na porta. Até eu que tenho 61 sei que também sambarei miudinho em uma década. Quem tem 20 e poucos anos está literalmente ferrado. No Brasil, as secas são o que mais nos afetará. O desaparecimento da Floresta Amazônica também não será um espetáculo bonito.
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fotos arquivo pessoal |
fotos filho arquivo pessoal com a esposa Lourival Ribeiro / Agnews |
Meirelles filho( Quico) e Meirelles pai. Abaixo, com a esposa Ciça Teivelis no teatro, em 2008 |
Como deixar o discurso ambiental mais atrativo? Contando histórias. Nossa cabeça é desenhada para compreender o mundo por histórias. As religiões ensinam sua moral contando histórias, crianças aprendem o que é o bem, o mal e tudo mais ouvindo histórias.
Como conciliar a agenda de sustentabilidade com a sua O2, a maior produtora de publicidade do país? Não participo mais do dia a dia da produtora, nem tenho sala lá. Me envolvo em alguns projetos que gosto, mas não toco mais como fazia. Prefiro plantar jequitibás.
Gera algum desconforto pessoal ter um negócio que existe em torno da publicidade? O excesso de consumo é um fator determinante na mudança climática. Gera desconforto, e vem crescendo. Mas não estamos parados, só olhando. Vamos gradualmente mudando nosso foco. Publicidade já foi 95 % da nossa operação, hoje ainda é uns 35 % do faturamento. Viramos uma produtora de conteúdo, mas isso não nos livra do desconforto. Mesmo quando
fazemos um programa de tevê, no fundo nosso programa será bancado pelo anunciante, assim como seu salário quando você faz esta entrevista. Não sou inocente de achar que deixarão de consumir se houver menos propaganda. O que pode ser feito é um consumo menos predatório. E, principalmente, mudar a produção de bens e de alimento para formas mais sustentáveis e com menos desperdício. Enquanto isso, cada um que viva com seu barulho.
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A O2 tem clientes como empresas de distribuição de combustíveis fósseis, fabricantes de carros e megaprodutores de proteína animal. É possível ter uma grande produtora totalmente alinhada aos seus valores? Possível só em parte. Não fazemos filmes para bebida para não incentivar jovens a beber, nem para governo porque em geral isso vem com um pedido de repassar até 30 % por fora. Mas, sim, fazemos propaganda de uma rede de postos de gasolina, e nesse caso acho que não faz diferença. Mesmo sem propaganda, imagino que o consumo de gasolina não cairia nem 1 litro, pois somos reféns de carros e ônibus movidos a |
“ não sou inocente de achar que as pessoas deixarão de consumir se houver menos propaganda” petróleo. A propaganda só te faz optar por uma marca ou outra. Aliás, essa é uma parte espinhosa do aquecimento global: não importa eu ter um carro híbrido ou andar de bicicleta, qualquer solução que possa fazer alguma diferença deve vir de políticas de Estado. A única coisa que podemos fazer é pressionar por mudança na política energética e votar nos candidatos que apoiam isso.
O quanto seus hábitos acompanham suas convicções: abandonou o carro, come orgânico? Tenho um carro meio elétrico, e como moro longe não vou me livrar dele tão cedo. Sou vegetariano e procuro comer orgânicos. Tenho uma boa horta em casa. Reformei uma casinha na Vila Madalena, para ter um lugar em São Paulo com minha mulher, e fiz um experimento: a casa tem placas solares para produzir energia elétrica, uso fogão elétrico, aquecimento solar e faço captação de água pluvial. Deque e portões são de um material feito com fralda descartável e garrafa PET. Minhocário para não gerar lixo e piso drenante. Isso não faz grande diferença, mas gosto da ideia de uma casa que não sobrecarrega tanto a cidade.
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