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“ Prefiro plantar jequitibás”, escreve Fernando Meirelles.
Era a primeira das duas trocas de( longos) e-mails para esta entrevista. Ele respondia a uma pergunta sobre sua participação atual na O2 Filmes, produtora que fundou com Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro.
“ Me envolvo em alguns projetos que gosto, mas não toco mais como fazia”, explica.“ Nem tenho mais sala lá.” Seus interesses pessoais vêm conquistando territórios muito além do audiovisual, onde a O2 é reconhecida como a principal usina de criação e produção do país.
Em 25 anos, a empresa assinou mais de nove mil filmes publicitários, seu foco inicial. Depois, também passou a fazer conteúdo para tevê( como as séries Felizes para Sempre?, com a Globo, e Filhos do Carnaval, com a HBO), longas-metragens( como Cidade de Deus e O Jardineiro Fiel, cada um com quatro indicações ao Oscar) e digital( Além do Mapa, realizado em realidade virtual com o Google).
Aos 61 anos, o cineasta paulistano participou intensamente de tudo isso. Ele quer mais. Ou quer menos, depende do ponto de vista. Mais desafios ligados ao meio ambiente, menos tarefas com luz, câmera e ação.
Os criadores da abertura das Olimpíadas: Andrucha Waddington( de camisa branca), Daniela Thomas( em primeiro plano) e Meirelles
Nada disso aconteceu de repente.
O jequitibá é uma árvore de crescimento lento e constante, como Meirelles e suas empreitadas.
“ Não sei por que, há uns 15 anos comprei uma fazenda e, pouco a pouco, vou me ligando mais à terra”, diz. A mesma ligação de seus pais e avós, todos nascidos e criados no interior paulista. Hoje, Meirelles tem três fazendas, uma em Rifaina, São Paulo, e outras duas em Sacramento, Minas.
Arrenda parte delas para cultivo de café e cana, mas reserva a maior área para florestas. Planta mogno em larga escala. Recupera matas ciliares e reservas legais com novas árvores de espécies nativas. E não é por falta de natureza no seu próprio quintal.
Meirelles mora em Carapicuíba, a 20 quilômetros da cidade de São Paulo, em um grande terreno com 800 árvores, bichos e
um riacho. Divide o espaço com as casas de quatro amigos dos tempos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.“ É como ter uma segunda família”, conta.
A primeira, formou há 30 anos com a atriz e bailarina Ciça Teivelis. Com ela, teve seus dois filhos, Carolina – fotógrafa, desenhista e, nos últimos três anos, mãe em tempo integral – e Quico – diretor de filmes, como o pai. Sim, Meirelles continua diretor. Está trabalhando numa série de ficção para tevê. São dez capítulos de 50 minutos, numa coprodução entre Brasil e Inglaterra.“ Fala sobre o nosso futuro”, resume. O pano de fundo da trama, não por acaso, é o aquecimento global e a indústria do petróleo.
A expectativa de vida de um jequitibá chega a 3 mil anos. A da espécie humana é mais incerta.
“ Replantar florestas é o modo mais rápido, simples eficiente e barato de mitigar o aquecimento global” |
foto Rio 2016 / Daniel Ramalho |
fotos abertura Richard Heathcote / Getty Images plantando TANIA REGO / AGENCIA BRASIL |
Acima, momento da abertura da Rio 2016 que fez Meirelles chorar: os anéis olímpicos brotando; ao lado, o cineasta plantando mudas na Floresta dos Atletas, no Rio
Trip. Por que fazer esta entrevista por e-mail, e não ao vivo? Fernando Meirelles. Vaidade. Pareço mais inteligente por e-mail. E também porque já li transcrições de entrevistas dadas ao vivo em que não me reconheci. Parecia ou tolo ou às vezes cabotino. Talvez eu seja, mas doeu constatar.
“ Um dia aprendo a lidar com jornalistas”, você já tuitou. Parece que aprendeu. Melhorei, mas ainda cometo sincericídios. Com alguns jornalistas é preciso ser extracuidadoso. Como os roteiristas, eles não estão a serviço da informação, estão a serviço do conflito e do drama.
Onde você está agora, o que vê à sua volta? Se estiver vestindo alguma coisa, pode descrever seu figurino? Estou numa cama com um lençol de cetim marrom-escuro. Do lado direito, sobre o criado mudo, uma taça de um Barbera um pouco ácido mas encorpado. Do outro lado, um abajur de cúpula de pergaminho joga uma luz quente que realça o desenho da minha musculatura rígida. Estou usando L’ Eau D’ Issey Pour Homme. Nada mais.
Parece sexy, daria uma ótima foto. Aliás, por que você não quis fazer uma foto para capa desta edição? Deixo para as celebridades. Não nasci para os holofotes, quanto menos puder ser identificado na rua, melhor. E uma capa joga contra isso. E, juro, você não ia querer ver essa foto.
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No seu depoimento para o livro Biografia prematura, você lembra que sentia vergonha do próprio corpo na adolescência. Fato. Tive uma puberdade tardia, foi muito traumático. Aos 17, meus amigos já transavam e eu era um pirralho impúbere. Isso ferrou minha cabeça, me sentia um freak. Finalmente, quase aos 18 anos, cresci. Hoje parece bobagem, mas só eu sei o quanto sofri.
Era a época do desbunde. Drogas? Meu negócio era desacelerar, nunca fritar. Tomei menos LSD do que deveria. Nunca experimentei cocaína e nunca tive vontade. Cheirador em geral fica muito chato e não percebe. De maconha fui um consumidor de fins de semana, tipo“ fumo socialmente”. Uma hora encheu o saco aquele bode na minha vida e parei.
E as experiências com LSD? Tomei umas dez vezes, sei lá, foi muito bom. O estado de paz é que me deixava feliz, mais do que alguns efeitos especiais que apareciam às vezes, como distorções de perspectiva, mudança de cor e brilhos suspeitos pairando no ar. Sabe quando você está lá, paradão, e não precisa de nada? Então.
E com sexo? Poderia ter aproveitado mais as oportunidades quando era garoto, mas essa área não me aflige. Espero poder ser sempre um praticante.
Você passa a imagem de uma figura tranquila. É mesmo? Sou, para me tirar do eixo neguinho tem que ser muito bom. Lembro de ter perdido a linha apenas três vezes na vida.
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