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3.2. Novos rumos
Na Pós-Modernidade, os desafios, no campo virtual, sobretudo quanto ao
destino dos dados armazenados na Cloud Computing, quando da morte do usuário,
merecem a adoção do critério do direito de privacidade para acesso e partilha dos
mesmos. Como visto, tais dados formam a identidade digital; o corpo físico está
morto, no entanto, o corpo eletrônico, nas palavras de Stefano Rodotà, prossegue.
Um dos pontos-chaves para a compreensão da problemática apresentada é o
estabelecimento de relações entre os direitos póstumos, entre eles, o direito de
privacidade.
Cumpre destacar que os direitos de personalidade post mortem, ou póstumos,
implicam no rompimento da ideia de que com a morte tudo se extingue, gerando
debates e posições controvertidas. Ocorre que, em que pese o dissenso quanto à sua
aceitação, de longa data, em nível mundial, a matéria vem sendo tratada pela
jurisprudência. Uma das grandes dificuldades em reconhecer o direito de privacidade
póstumo está na inexistência de um sujeito. No Código Civil brasileiro, no que tangem
aos artigos 12 e 20, em seus parágrafos, está-se diante de hipótese de defesa de direito
de personalidade post mortem, ou seja, não se trata de direito das sucessões, visto que
não há transmissão de direitos, já que direito próprio e originário dos sujeitos
indicados pela lei, os mesmos declaram de forma inequívoca a existência de direitos
de personalidade póstumos sofridos pelos familiares. Se é bem verdade que os artigos
acima mencionados exigem inarredavelmente a existência de um sujeito de direitos
para o seu exercício, no caso os familiares apontados pelas normas, por outro lado,
os dispositivos elevam valores que ordenamento jurídico deve proteger: a boa fama,
o nome, a intimidade daquele que não mais está vivo, daquele que não é mais sujeito
de direitos, ou seja, do morto. Nesse sentido, defende-se ser possível, a partir de uma
visão atual do ordenamento jurídico pátrio, promover a defesa destes valores,
independentemente da existência de sujeito, já que falecido, ou mesmo do interesse
jurídico seus familiares. A possibilidade da defesa de direitos sem a existência de
sujeitos não é matéria inédita. Robert Alexy traz a situação do nascituro que, como o
morto, também não é pessoa, mas o Direito lhe alcança proteção legal (Alexy, 2008).
Nesse caso, estas normas passariam a dialogar com direito das sucessões, como
critério para acesso de dados, uma vez que limitariam positivamente, e mesmo
negativamente, a partilha dos mesmos, estabelecendo relação de pertinencialidade ao
direito das sucessões. Este entendimento implica em compreender o direito das
sucessões sob um viés metapatrimonial, estando sensível às questões atinentes à
personalidade, afinando-se ao ordenamento jurídico vigente. Não se trata de herdar
atributos personalíssimos, mas dados que estejam ligados a direitos personalíssimos.
Importante ressaltar que o direito de privacidade, como direito de
personalidade, e, mais especificadamente, estendendo-se após a morte, passa a ter
relevo na medida em que há um terceiro, o provedor de conteúdo, que está presente
em face de uma relação contratual decorrente de uma Cloud Computing. Transbordando
à clássica relatividade dos efeitos sucessórios entre antecessor e seus sucessores,
atinge-se terceiro, qual seja, o provedor de conteúdo, que deverá administrativamente
analisar o pedido de acesso aos dados pelos herdeiros, ou mesmo, ver-se submetido
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