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2. Dados abertos - por uma filiação não administrativa
O conceito de dados abertos popularizou-se nos últimos anos, sobretudo desde
2009, com a conjugação de vários fatores: i) o movimento dos governos abertos (ver
principais marcos evolutivos em Davies, T., 2010, cap. 2.1, 2.2; e em Davies, A. e
Lithwick, 2010); ii) a “descoberta” do potencial da informação do setor público para
a inovação e crescimento económico (Dekkers, et al., 2006; Fitzgerald, ed., 2010;
Shakespeare, 2013; Vickery, 2013); e iii) o reconhecimento das limitações da sua
disponibilização muitas vezes parcial e apenas intermediada em sítios web sem acesso
aos dados em modo que permita a sua livre reutilização por máquina (ver, por ex.,
Malamud, et al., 2007; Stephenson, 2009; Robinson, et al., 2009).
Estes fatores de popularização dos dados abertos não são desligados de outros
movimentos e conceitos precedentes, designadamente os do software livre e do acesso
aberto, mas têm, a nosso ver, um pendor diferente. Enquanto a ênfase nos dados
abertos assenta sobretudo em valores reclamados pelas administrações abertas –
como a transparência, a responsabilização, a eficiência do serviço público, a
participação democrática, o crescimento económico – os movimemtos anteriores,
amadurecidos mais lentamente e acompanhando a evolução da Internet e dos seus
meios tecnológicos, criaram uma nova “cultura do acesso”10 que não foi programada
e que emergiu socialmente. Essa cultura, baseada nas potencialidades do trabalho
colaborativo e no conhecimento como bem comunitário (knowledge commons), orientase pela partilha livre e voluntária, alimentando uma noção de bem público que se opõe
ao controlo privado da ciência e tecnologia (Lessig, 2001, cap. 2-3).
Segundo Willinsky (2006, 9), um “bem público, em termos económicos, é
qualquer coisa considerada benéfica e que pode ser distribuída a quem dela necessite
sem que o uso diminua o seu valor”. E, neste sentido, recorre a Machlup para
sublinhar que o conhecimento é um bem público quase perfeito: enquanto procurar,
criar, adquirir ou distribuir conhecimento envolve custos, reutilizar o conhecimento
já existente pode ser gratuito. Esta noção, conforme nota Chignard (2013) a propósito
da história dos dados abertos, aproxima-se da que Merton (1942, 1973) preconizava,
muitas décadas antes da Internet: um ethos da ciência moderna assente em quatro
normas, ou imperativos institucionais, morais e técnicos: ‘comunismo’ (i.é., produção
e partilha comuns dos bens do conhecimento científico), universalismo (ciência
aberta, sem preconceitos de raça, religião, cultura, género), isenção (face a interesses
particulares ou privados) e ceticismo organizado (ciência com resultados expostos,
sujeitos a escrutínio).
Estes príncípios são próximos do quadro de referência em que floresceram os
movimentos do software livre, sobretudo a partir do final dos anos 90 (Waliszewski,
2002), e do acesso aberto a conteúdos, especialmente desde a Budapest Open Access
Initiative, em 200111. É um quadro de referência que valoriza o acesso com base na
livre difusão com renúncia a direitos protegidos (controlo do conhecimento),
tornando resultados de investimentos privados em bens públicos; e na ação e
Em parte, os parágrafos seguintes são recuperados de Cordeiro (2007).
Para uma cronologia ver Timeline of the open access movement. Open Access Directory, em:
http://oad.simmons.edu/oadwiki/Timeline.
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