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Ora, o art. 26º da CRP determina que a todos são reconhecidos, entre outros, o
direito à reserva da intimidade da vida privada. Este é reconhecido como um dos
direitos liberdades e garantias pessoais. Trata-se, portanto, da defesa do direito geral
de personalidade28. Não obstante, no que toca à reserva da intimidade da vida privada
e familiar importa relembrar a teoria das três esferas descrita por Jorge Miranda e Rui
Medeiros29: i) esfera íntima; ii) esfera privada; e iii) esfera social. Cumpre questionar
em que esfera se inclui a utilização das redes sociais para fins profissionais. Pese
embora as tradicionais críticas a esta teoria, continua a ser uma referência de
graduação da intimidade da vida privada. No entanto, a utilização de uma rede social
onde o utilizador tem, por exemplo, cerca de 500 contactos pode permitir a
expectativa de pretender reservar a sua intimidade à vida privada? Qual a diferença
entre partilhar uma informação no Facebook para os seus 500 contactos ou para os
mesmos ou outros 500 contactos no meio de jantar? Como a lei não promove a
densificação deste conceito, caberá aos tribunais promover uma interpretação
adequada.
Como já referimos, as redes sociais tornaram-se num novo espaço público.
Deste modo, a reserva à intimidade da vida privada tem de se ajustar a esta nova
dimensão. Os utilizadores das redes sociais estão cada vez melhor informados e
sabem do alcance de tudo o que partilham.
Aqui chegamos, temos de ter em conta o contexto laboral deste tema. O art. 16º
do CT é uma expressão do direito à reserva da intimidade da vida privada30. Este
artigo está incluído na subsecção referente aos direitos de personalidade do
trabalhador. Neste caso, o legislador teve o cuidado de identificar um conjunto de
situações que são consideradas como expressões da intimidade da vida privada do
trabalhador que requerem de inerente proteção31: i) dados pessoais; ii) utilização de
dados biométricos; iii) testes e exames médicos; iv) meios de vigilância à distância; e
v) confidencialidade de mensagens e de acesso a informação.
A utilização de uma rede social com efeitos profissionais por parte de um
empregador para demandar o seu trabalhador é legitimada pela legislação laboral?
Ora, no âmbito disciplinar, existem já algumas decisões judiciais relevantes. A
mais mediática está relacionada com o despedimento de um dirigente sindical por ter
Conforme sustentado por Jorge Miranda e Rui Medeiros que acrescentam ainda que o art. 26º da CRP
consagra a “expressão direta do postulado básico da dignidade humana” [cfr. Miranda, Jorge; Medeiros, Rui
(2015), Constituição Portuguesa anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, p. 282].
29 Cfr. Miranda, Jorge; Medeiros, Rui, op. cit., p. 290.
30 De acordo com o n.º 1 art. 16º do CT, “o empregador e o trabalhador devem respeitar os direitos de
personalidade da contraparte, cabendo-lhes, designadamente, guarda e reserva quanto à intimidade da vida
privada”. O nº 2 do mesmo artigo estabelece que “o direito à reserva da intimidade da vida privada abrange
quer o acesso, quer a divulgação de aspetos atinentes à esfera íntima e pessoal das partes, afetiva e sexual, com
o estado de saúde e com as convicções políticas e religiosas”. Quanto a este ponto, ainda durante a vigência do
CT de 2003, Maria Regina Redinha fez uma aproximação crítica quanto ao facto do legislador ter integrado na
mesma sede a tutela dos direitos de reserva à intimidade da vida privada quer do trabalhador, quer do
empregador [cfr. Redinha, Maria Regina (2004), Os Direitos de personalidade no Código do Trabalho, in A
Reforma do Código do Trabalho, Coimbra Editora, 2004, p. 169].
31 Sobre esta questão, Diogo Vaz Marecos identifica os artigos 17º, 19º, 20º e 22º do CT [Cfr. Marecos, Diogo
Vaz (2012), Código do Trabalho anotado, 2.ª ed., p. 111].
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