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3.3. Um perfil global de privacidade? Importando ideias das Creative
Commons
Pensando que o mundo digital se encontra cada vez mais interligado, em que os
dados são vistos como activos, como bens (de natureza incorpórea, é certo), talvez o
futuro possa passar pela criação de um perfil de privacidade, global. Individual, é claro,
mas globalmente aplicável a todos e a quaisquer serviços.
Na verdade, deverá ser dado direito a cada titular de dados que escolha, de forma
simples, a configuração do seu perfil, aplicável a todos os serviços e gadgets que utilize.
Nos casos em que o perfil não fosse compatível com o serviço, o uti lizador receberia
uma mensagem a avisá-lo que, para aquele serviço em concreto, teria de disponibilizar
mais dados. E, aceitando, essa disponibilização mais ampla de dados seria válida
apenas para esse serviço, impedindo-se uma alteração genérica ao perfil já definido.
No fundo, poder-se-ia adoptar um mecanismo, em muito semelhante ao que
temos actualmente, no domínio do Direito de Autor, de Creative Commons31 – em que
o autor estipula previamente os usos que permite da sua obra e os utilizadores ficam
habilitados a fazê-lo sem negociação prévia, desde que em respeito das autorizações
consagradas na licença (Borges, 2012).
Com um perfil genérico de privacidade, o utilizador poderia definir que dados
pessoais autorizaria serem recolhidos, as finalidades, o tempo de autorização, se
permitiria dados a terceiros (e para que finalidades).
Claro que este mecanismo seria muito mais complexo, com mais variáveis que
as actualmente existentes de Creative Commons. Mas seria uma boa forma de, pelo
menos, balizar os usos mais correntes de dados e evitar a necessidade do titular ter de
fazer as suas escolhas on a case by case basis consoante o serviço a que quisesse aceder
ou objecto que quisesse utilizar. O que não coubesse no perfil do titular e necessitasse
de ser notificado ao titular para o seu consentimento seria sempre algo que sairia da
rotina e, em virtude disso, do seu carácter extraordinário, o utilizador, cremos, teria
redobrado cuidado (ou interesse) em verificar a forma de uso dos dados que não se
coadunava com o seu perfil de privacidade.
Concedemos que esta proposta cairá, porventura, mais no campo da utopia que
no da realidade, principalmente tendo em conta que a interconexão de redes e de
sistemas actualmente ainda não é total – e, principalmente, no que toca à “Internet
das Coisas”, estamos ainda no campo das “Internetes das Coisas”, em que a
interligação dos dispositivos se faz por fabricante apenas (ou entre alguns fabricantes),
inexistindo ainda uma plataforma única totalmente interligada (Grupo de Trabalho
do Artigo 29º, 2014a).
Embora não estejamos incertos quanto à sua viabilidade tecnológica, no futuro,
quando chegarmos ao ponto da verdadeira interconexão total de redes, ter-se-á
sempre de ultrapassar o lobby dos vários stakeholders que usam os dados, cujos modelos
A este propósito veja-se o excelente texto de James Boyle (2008), um dos fundadores do conceito de Creative
Commons.
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