MONSANTO – TRÊS FRAGMENTOS
sem piedade as cidades veneradas. Um pouco mais abaixo há
outra inscrição, mas numa caligrafia diferente e que, a julgar
pelos contornos mais definidos das letras, é mais recente:
dois homens olharam atravez das grades da prizão, um viu a
lama e o outro as estrelas. Sei de um prisioneiro que não viu
dois erros ortográficos graves, entretido que estava a olhar
para lama, para estrelas... Os erros incomodaram-me tanto
que não descansei enquanto não esgravatei aqueles dois 'z'
até serem dois buracos irregulares no estuque. Primeiro tentei
reconvertê-los em 's' mas era impossível. Optei por esburacar
o estuque todo, como fazia aos meus cadernos com a
borracha azul dura que raspava o papel até fazer um buraco.
Assim posso imaginar que está lá um 's'. Sou excelente a
imaginar coisas. É uma qualidade muito útil, mas é preciso
cuidado e não é qualquer um que é bom nisso. Há coisas
que, quando as imaginamos, nos fazem sentir mal e é
completamente inútil passar por isso se não for necessário.
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Ouvi psst, psst, da janela da prisão.
─ Psst! Chega aqui ó!
Levantei-me e aproximei-me da janela, arrastando o
pequeno cobertor puído. O quadrado azul ofuscava-me e, a
contra-luz, vi a silhueta de duas pequenas orelhas a assomar
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