LOURENÇO BRAY
assim, depender do sabão macaco e lavar-me no lavatório da
cela do que frequentar os chuveiros colectivos.
A minha cela é fechada, quase completamente selada
por quatro paredes. Com o tecto e o chão, são seis as
superfícies isoladoras de liberdade. Tem apenas uma pequena
janela quadrada virada para o exterior, sem vidros e com
grades. Posso meter-me em bicos de pés, agarrar as grades e
içar-me um pouco, para poder ver lá para fora e apanhar ar
fresco, mas não vale a pena o esforço. Só dá para ver um
gradeamento do género desinteressante, alto, uniforme, com
um novelo de arame farpado no topo que lembra um velho
campo de concentração. Vejo também, por entre os espessos
novelos de arame farpado, a copa das árvores da Mata de
Monsanto e bocados de Lisboa, inclusive do estádio da Luz.
Consigo ouvir os golos, quando o vento está de leste. Não sei
que jogos são, aqui no isolamento não tenho acesso a jornais
desportivos. Nem sequer sei quando vai haver jogo ou se está
a decorrer um e por isso fico sempre muito surpreendido
quando de repente, às nove da noite de um sábado, oiço o
bruaaaá de milhares de pessoas a gritar golo e depois
silêncio, um silêncio profundo, como tivesse sido um espírito
a sussurrar um segredo e depois a desaparecer numa rajada
de vento.
Um prisioneiro que esteve aqui antes esgravatou uma
inscrição no estuque da parede por cima da cama: destruam
48