RUI
o Tejo. Muita gente consideraria um privilégio, mas ele não.
É-lhe indiferente. Estava farto do que ficava para lá do
quarto. Tinha perdido o interesse pelo que havia lá fora. Era
uma janela antiga com as portadas em madeira, também elas
vincadas pelo passar dos dias e pela impiedade cega dos
elementos.
Novamente com o corpo virado para cima. Se levantar
a cabeça, algo que não faz, consegue ver uma pequena
estante que comprou para colocar os poucos livros que foi
obtendo ao longo dos anos. Havia perdido muitos com o
decorrer do tempo, mais do que os que agora tinha. Já não se
lembrava porquê. Ou então, tinha feito por esquecer. A
estante destoava de tudo o que havia naquele quarto. Era
branca e de um material mais moderno. Tinha-a comprado
numa loja de móveis que os vendia a um preço muito baixo.
Nas prateleiras havia algumas fotografias. Não de pessoas,
mas de locais e situações que lhe tinham agradado. Memória
de um tempo em que lhe dava prazer imobilizar instantes.
Também já não tinha a máquina de fotografar. Vendera-a há
uns anos porque precisava de dinheiro.
Senta-se na cama e acende um cigarro. Sentado na cama
com os pés para fora. São cinco da tarde e hoje ainda não se
havia levantado. Ao mesmo tempo que fuma, abre a gaveta
da mesa-de-cabeceira e tira um pacote de bolachas. Sente
fome. Come três. Sente-se um pouco melhor. Os últimos dias
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