A AUSÊNCIA É UM REVÓLVER CARREGADO
desmontar, o miúdo abana, o peito da Filipa abana, já tenho
idade para olhar, como tu dizias, como tu olhavas, a mãe
distraída a procurar coisas na mala, uma espécie de cartola
de mágico sem fundo de onde ninguém pestanejaria se saísse
de lá um coelho, e tu a olhares para o decote da
recepcionista, deleitado com o alvo vale que se parecia
estender até ao balcão. O Bruno não liga nenhuma. Tenho de
te admitir uma coisa: ele é melhor pai, ou parece ser, do que
alguma vez supus, não que eu tenha grandes conhecimentos
da paternidade (o exemplo de casa não era o melhor, pai,
desculpa), mas o Bruno parece-me ser um bom pai. Vai
distribuindo abraços aos amigos, juro-te que se algum me dá
outro calduço ou pergunta puto quando é que és tu eu juro
que o mando para o caralho, sim, eu sei, estou numa igreja,
sítio pouco adequado para mandar alguém para o caralho, a
mãe está aqui, aprendeste essas coisas com quem, e eu
respondia com o meu pai, provavelmente caía para o lado de
choque, embora isto até seja uma coisa em que eu tenho
pensado muito, ultimamente: a ideia que a mãe tem de ti é a
ideia que nós temos que ela tem? Ela sabia quem tu eras,
mesmo? Quem eras, tu, afinal? Não sei bem. Tu sabias quem
eras? Eu não sei bem quem sou: a mãe chateia-me muito por
não saber o que quero ser e eu um dia tive a triste ideia de
lhe dizer que me custava decidir o que queria ser se não sabia
sequer quem era. Ficou louca por uns dias. Queria pôr-me
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