CULT 167 CULT 167 - ABR 2012 | Página 10

DOSSIÊ

Lispector e pela diagramação da página (a disposição da foto do entrevistado e do texto), todos são elementos bastante enriquecedores.

Além disso, há algumas entrevistas muito interessantes que se mantêm iné-ditas, como a realizada com a cantora Maysa, publicada na seção "Diálogos Possíveis com Clarice Lispector", da revista Manchete, no dia 27 de setem-bro de 1969. Leia abaixo alguns trechos saborosos.

A cantora saída das cinzas

"Maísa - Eis o nome de uma mu-lher-gata muito bela, dona de uma voz rara e de dons artísticos também raros. É menos felina do que parece nos retra-tos e muito mais dada e simpática. Mas, sobretudo, Maísa - uma mulher sofri-da e corajosa, que encara os próprios erros - é um símbolo de ressurreição. [...] Quem já se ergueu várias vezes das cinzas sabe como é, ao mesmo tempo, difícil e possível a reconstrução. Este é um diálogo antideclínio: é cheio de perspectivas.

[...]

-- Você já foi analisada?

-- Comecei por três vezes, mas descobri que estava em mim mesma a resposta.

-- Como é que você define Maísa?

-- Uma pessoa essencialmente boa de coração, bastante insegura, mas já a caminho do encontro. Nunca fiz meu autorretrato.

-- De onde vem essa insegurança?

-- Virá, talvez, da brusca mudança no tempo, desde que eu nasci até hoje. Houve tantos tabus que hoje não exis-tem mais e isso me criou essa insegu-rança. Quanto a tudo. Como, por exem-plo, conviver com as demais pessoas fora do meu círculo de família. Mas não tenho nenhuma insegurança artística. Inclusive, acredito que eu esteja em uma fase muito boa de busca.

[...]

-- Cada noite, na hora do seu show, você se sente inspirada para cantar ou já fez disso um hábito sereno?

-- Toda noite para mim é uma pri-meira vez, mesmo que isso pareça lugar-comum. Sofro uma barbaridade antes

de entrar em cena. Depois é como se tivesse nascido outra vez.

-- Que conselho você daria a uma jovem que caísse na depressão como você caiu? Qual é o melhor meio de sair dela?

-- Acho conselho uma coisa mui-to perigosa. Eu não pedi nem aceitei nenhum. De qualquer modo, acredito que a humildade seja muito importan-te. Um dos meios de sair da depressão é não achar que o próprio problema seja o pior de todos.

[...]

-- Maísa, apesar de você responder a tudo o que lhe perguntei, acho você uma pessoa reservada.

-- Eu acho que não.

[...]

Tomamos um café e conversamos.

-- Talvez, Clarice, você tenha me achado reservada ou intimidada por-que era muita a vontade e a curiosi-dade que eu tinha em conhecer você. Também leio sempre os seus diálogos e me senti muito honrada por ser uma de suas entrevistadas.

Continuamos a conversa e fiquei sabendo, por exemplo, que Maísa é ótima dona-de-casa, gostando de lidar com tudo o que se refere ao lar, à cozi-nha, à arrumação. Como se vê, a Maísa real é diferente da Maísa mito. E ganha muito com a aproximação."

O padre e a ciência

O diálogo realizado com o Padre Quevedo, publicado na revista Fatos e Fotos/Gente em 2 de maio de 1977, é

igualmente intrigante, como indicam os trechos a seguir:

"Para mim, a ideia de entrevistar um padre pareceu-me coisa difícil. Mas logo concluí que, atualmente, os padres, em sua maioria, se encontram a par dos problemas do nosso tempo. E como! Portanto, lá me fui, rumo ao Retiro dos Padres, nos arredores de um das favelas mais populosas e famosas do Rio, a dramática Rocinha, no topo da Gávea. No Retiro dos Padres, até eu gostaria de me retirar: o silêncio é tão grande, tão cheio de natureza muda que, pelo menos, me curaria da poluição sonora. Esperei cerca de uma hora e meia porque Padre Quevedo estava em reunião. [...] Perguntei-lhe como chegara a se interessar pela parapsicologia:

-- Eu tinha doze anos quando fui levado a me interessar pelo espiritismo e pela magia. Quanto ao espiritismo, meu interesse maior se relacionava com a sua fenomenologia. Quanto à doutrina, não me parecia lógica a in-terpretação espírita dos fenômenos quando se tratava de pura mágica. Posteriormente meu interesse cresceu e completou-se com o estudo dessa ci-ência na universidade.

-- Até que ponto a parapsicologia pode ser considerada uma ciência?

-- Foi reconhecida como ciência universitária em 1953, no Congresso Internacional da Universidade Real de Utrecht, Holanda. Desde 1934 fazem-se pesquisas em laboratórios universi-tários. Em 1882 já se fundavam centros

"Todas as pessoas são interessantes; mas uma personalidade de atleta grego é um achado"