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JOGOS OLÍMPICOS
Por mais que houvesse resistências ao longo do século XX de atletas feministas pioneiras, como Alice de Miliat, e muitas outras, sempre tivemos na história do esporte uma sub-representação de gênero, com invisibilidades de corpos não bináries e não normativos, ou mesmo de mulheres outras, como quilombolas, negras, indígenas, e com deficiência. Mesmo os Jogos Paralímpicos começaram masculinistas: o Dr. Ludwig Guttmann reproduziu as máximas de Coubertin nos anos pós-II Guerra e a proporção de mulheres com deficiência era muito menor do que a dos homens, inclusive na primeira edição em 1960. Os Jogos Paralímpicos ainda estão distantes de uma possível equiparação entre gêneros, por motivos outros que não cabem nos limites deste texto.
A partir dos anos 1990 temos marcas indeléveis que demonstram um início de transformação na diversidade de participações de gênero na história oficial dos Jogos Olímpicos. Quem não se lembra da corredora velocista Cathy Freeman, aborígene australiana, em Atlanta, em 1996? Ou do anúncio público da homossexualidade do saltador medalhista olímpico, Greg Louganis, ainda em 1994? Estas aparições dissonantes são tímidas e têm aumentado ao longo dos anos.
Várias/os atletas gays, bissexuais e lésbicas já participaram de edições olímpicas, sempre sob as prerrogativas heteronormativas, e isso tem sido uma constante. Haja vista os recorrentes relatórios do site Outsports.com, que invariavelmente acrescentam um digito a mais quando identificam algum/alguma destes atletas que participam das disputas olímpicas de verão ou inverno. Contudo, no caso de outras orientações e identidades de gênero, o ritmo das mudanças tem sido mais lento.
Se há uma história outra dentro da história oficial do esporte, um nome esquecido, ainda em fins dos anos 1960, contribuiu para levantar a possibilidade de existência de outros corpos sexuados nos registros olímpicos. Thomas Waddell era um decatleta estadunidense, que competiu nos Jogos da Cidade do México, em 1968, e se reconhecia como bissexual. A partir de sua condição de sujeito não heteronormativo, Waddell trabalhou na perspectiva da inclusão da diversidade de gênero e sexual quando propôs a criação dos Jogos Olímpicos Gays (mais tarde nomeados apenas Gay Games), em 1982.
Apesar destes apontamentos, devemos reconhecer que há esforços no sentido de maior aceitação e possibilidades de inclusão de gêneros no meio olímpico. E o comitê organizador de Paris sinalizou isso com diversas ações: a criação da figura de uma mulher (Marianne) em seu logo, que simboliza a chama olímpica; o ajuste dos horários de competições para que haja mais mulheres competindo no horário
nobre da televisão; a renomeação de lugares com nomes de importantes mulheres históricas; ou ainda quando apoia a existência da Pride House, um local de acolhimento e celebração da diversidade sexual e de gênero, durante seus Jogos.
Porém, sob os auspícios de buscar a tal “igualdade de gênero”, para um mundo mais justo e equitativo, e assim se afinar com a Agenda do Desenvolvimento Sustentável da ONU para 2030, as ações do comitê dos Jogos de Paris e do Comitê Olímpico Internacional (COI) ainda são bastante tímidas e insuficientes.
E mesmo se tomarmos apenas a categoria genérica “mulheres”, como se insiste, poderíamos nos perguntar: e as massagistas, técnicas, assistentes técnicas, preparadoras físicas, árbitras, oficiais técnicas (ITO’s), cis, trans, não bináries, racializadas ou não, que sequer tiveram a chance de serem chamadas para estes megaeventos? E as mulheres jornalistas muçulmanas estariam em igual número representativo cobrindo os Jogos como seus colegas homens? Indubitavelmente, os Jogos Olímpicos (e possivelmente os Paralímpicos) de Paris-2024 serão um passo a mais na busca de condições equitativas de gênero. No entanto, a luta de resistência para uma maior consideração sobre a interseccionalidade continuará: não é possível entender gênero como sinônimo de mulher e considerar a variável gênero de modo isolado de outras (como origem étnica, religião, gênero, orientação, profissão e demais), pois não se está atingindo a “igualdade de gênero”. Porque se devem levar em consideração outras mulheres e mesmo outros sujeitos sexualizados e racializados.
Portanto, jamais diria que se tivéssemos mais “mulheres cisgênero”, em número equivalente em postos de competições, nos esportes individuais e coletivos, ou mais “mulheres cisgênero” na arbitragem ou no comando de equipes e atletas estaríamos em situação de “igualdade de gênero”. Seria somente uma
reparação histórica pelo tanto de tempo que tais “mulheres” estiveram alijadas das possibilidades de
ação dentro do mundo esportivo. E as “outras mulheres” (as indígenas, quilombolas, trans, etc.) e
outros gêneros seguem sem fazerem parte deste panteão olímpico.
As preocupações são muitas e as inquietações também. Não se trata de buscar uma equidade genérica
de qualquer marcador social (gênero, sexualidade, etnia, deficiência, classe social...) no esporte. Isso não
funciona direta e automaticamente. Que venham outras edições olímpicas (e também paralímpicas)
mais preocupadas com tais marcadores sociais relacionados às maiorias excluídas para que busquemos,
de fato, patamares mais equitativos.