Contemporânea Contemporânea #12 | Page 23

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O primeiro expressa de forma simbólica valores e regras do segundo, tomando emprestado seu vocabulário (tática e estratégia, artilheiro, arqueiro, ocupação de espaços, etc.) e dramatizando-o, em forma de jogo, como um combate entre exércitos para conquistar o território ou a bandeira de quem seria o seu inimigo numa batalha, mas que é somente um adversário nos campos, quadras e pistas (16).

JOGOS OLÍMPICOS

experiência no conflito, Pereira de Abreu escreveu um ensaio onde discorre sobre a necessidade de uma condição física adequada para a performance militar, num momento em que “as elites médicas e políticas debatiam o perfil que deveria ter o soldado enviado às frentes de batalha” (SILVA; MELO, 2011, p. 338-339) . Dessa forma, o corpo dos soldados tornou-se uma evidente preocupação, e dispor de um corpo “saudável e treinado, apto a superar as vicissitudes do conflito” virou uma obrigação aos combatentes (Idem., p. 344).

Diante disso, Pereira de Abreu passa a defender a ginástica como “instrumento capaz de proteger os adolescentes dos ‘hábitos ociosos’, e enfatizava sua relação com a educação de um jovem que, viril e fisiologicamente sadio, estaria pronto para servir à pátria” (Idem., p. 345). Doravante, a partir do advento republicano no Brasil, em 1889, a gymnastica ganharia a companhia da natação, da esgrima e da equitação nas Forças Armadas (CANCELLA, 2013, p. 44).

Essas modalidades caracterizavam o “pentatlo moderno” que, segundo um boletim de 1915 do Comitê Olímpico Internacional (COI), também compreendia as atividades de tiro e corrida com obstáculos (HECK, 2011, p. 411). O idealizar dos Jogos Olímpicos Modernos, o francês Pierre (ou Barão) de Coubertin, reconhecia na prática do pentatlo uma “verdadeira consagração do atleta completo” e defendia incessantemente a sua aprovação enquanto esporte olímpico (Idem., p. 41; 3). Já o valor do esporte nas Forças Armadas era evidente: a prática do pentatlo moderno possibilitava o desenvolvimento de habilidades fundamentais para o exercício militar, algo bastante valioso num período em que a “possibilidade de uma guerra generalizada na Europa preocupava não apenas os governos e as administrações, como também um público mais amplo” (HOBSBAWM, 2012, p. 265).

Sob uma perspectiva sociológica, podemos aferir que o “esporte costuma representar diversas práticas sociais, dentre elas, a possibilidade de promover a catarse, a guerra” (VAZ, 2024, p. 65 (tradução nossa), sendo “a simulação de um confronto” a peça fulcral da prática esportiva, com as tensões produzidas sendo controladas, e no final, com a catarse, essas tensões seriam libertadas (DUNNING; ELIAS, op. cit., p. 235) . Em suma, o esporte é um meio organizador das tensões do corpo e as suas regras surgem para, ora produzir, ora moderar essas tensões (Idem., p. 236). Segundo Alexandre Vaz, o parentesco do esporte com a guerra é notório:

Nesse sentido, como nos recorda Eric Hobsbawm, durante a corrida armamentista do fim do século XIX, os exércitos não eram somente responsáveis pela defesa contra ameaças externas e internas, mas também desempenhava a função de uma nação em um patriota. O esporte, por sua vez, também era um encarregado de promover essa última responsabilidade.

Saudação à pátria amada

A questão do atleta-brasileiro-militar ganhou ainda mais destaque quando, nos casos de pódio, alguns esportistas, que tem relação com o exército, optam por prestar continência à bandeira brasileira. Como no caso dos jogos olímpicos do Rio em 2016, no qual o ginasta Arthur Zanetti, o judoca Rafael Silva “baby”, e o atirador Felipe Wu, sinalizam com a mão que se estende até a cabeça, fazendo menção a pátria amada que defendem. Defesa essa que faz pensar. No que defendem, o que defendem, e de uma necessidade de sinalizar que defendem. 

Segundo estudo de Costa et al, não há obrigação por parte do atleta de bater continência durante o pódio, sendo uma escolha do próprio esportista fazê-la ou não. Cabe dizer que o COI proíbe demonstrações políticas de qualquer origem nas celebrações olímpicas. Contudo, o gesto da continência parece não ser considerado uma manifestação politizada pela instituição. O que sugere uma questão da percepção do corpo do esportista e da extensão de seus movimentos. Sendo, talvez, a continência, um movimento sutilmente incorporado aos corpos dos atletas-militares, ao passo que se dissipa a compreensão de que aquilo não é exterior o corpo, como uma outra manifestação política poderia ser entendida. A continência, desse modo, pode ser analisada como um movimento que é do corpo, e não um movimento que é político.

Na edição olímpica de 2024, que acompanhamos agora, a delegação brasileira é composta por 277 atletas, dos quais 97 são atletas das Forças Armadas. Das questões que nos conduziram a este breve ensaio, consideramos importante o apoio financeiro e estrutural da instituição militar no Brasil; devido escassez de outros órgãos que possam subsidiar atletas, para que assim possamos inventar mais e mais corpos esportistas não-militarizados. Enquanto isso, fiquemos atentos aos corpos que se movimentam em