Contemporânea Contemporânea #11 | Page 22

racismo e futebol: Vinícius jr., classes e castas na sociedade moderna

Antônio Jorge Gonçalves Soares

Vinicius Jr., brasileiro que joga pelo Real Madrid, tem sido reiteradamente vítima de ações racistas durante uma partida de futebol. Não vou aqui descrever os detalhes do fato que foi amplamente divulgado pelas mídias. Um, dois ou mais torcedores do Valencia, à beira campo, protagonizaram ações racistas, através de gestos e falas, comparando grotescamente Vinícius Jr. a macacos. Essa não foi a primeira vez que Vinícius teria sido alvo desse tipo de agressão racista e gratuita. Sua reação foi forte, esbravejou e agiu solicitando a interrupção do jogo. A partida de jogo transcorreu num clima tenso que culminou na sua expulsão ao final dela.

Mesmo após a repercussão do episódio em escala global, os dirigentes do futebol espanhol tentaram minimizar o fato, mas tiveram que recuar, anular a suspensão do jogador e assumir a bandeira do antirracismo. Poderíamos listar outros episódios de ações racistas de torcedores que jogaram bananas no campo, ou mesmo de jogadores que tentam desestabilizar os adversários com ofensas do mesmo tipo ou homofóbicas. Mas, a questão que nos interessa aqui é entender a configuração desse esporte e o quais significados se exprimem nessas manifestações racistas durante a competição.

O futebol se conformou como espaço de expressão da masculinidade ou como coito privado masculino, como disse Eric Dunning [1]. Tal como outros esportes de invasão de território, este também se caracteriza como um jogo que mimetiza a guerra. O futebol seria uma "guerra de infantaria" que demanda avanço no território do adversário, já o voleibol se assemelharia à “guerra de artilharia” por jogar seus mísseis no território do adversário sem invasão, assim pensava Artur da Távola. Não é à toa que parte da gramática do próprio esporte, inclusive da mídia e dos torcedores, utiliza termos associados à guerra. O modelo disponível de guerra que temos se dá entre estados ou nações, assim, também as identidades coletivas são acionadas para combater o adversário no esporte que, certas vezes, é visto como inimigo. Na guerra, há normas que regulam esse tipo de confronto entre estados-nação ou nações, mas sabemos que elas nem sempre não são obedecidas e temos em nossa história as maiores atrocidades protagonizadas pelos humanos. Para além da estrutura e da gramática que configura o esporte, o equilíbrio psicológico diante do adversário se torna fundamental para que as táticas e os desempenhos técnicos e físicos tenham eficácia.

Faço esse movimento para dizer que as expressões e agressões racistas no futebol poderiam ser lidas como uma das formas utilizadas, por jogadores em campo ou torcedores, para desestabilizar o adversário; associado a isso poderia se dizer que tais agressões expressam a masculinidade guerreira mimetizada no futebol. Para além do fato que tais ações racistas possam ser afloradas pelos elementos que configuram uma tensa competição, o clima do jogo não justifica ou atenua que o racismo surja como estratégia para agredir ou desestabilizar jogadores em função da cor da pele.

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RACISMO NO ESPORTE