Contemporânea Contemporânea #11 | Page 19

RACISMO NO ESPORTE

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outro com um codinome (código). Os codinomes na capoeira tinham (hoje em dia nem tanto) a função especial de “coletivizar”, esconder, disfarçar, tornar o capoeira em um “ninguém”, pessoa comum na comunidade diante das perseguições das autoridades legais. Eram apelidados de “Fumaça”, “Maria doze homens”, “Besouro”, “Canjiquinha”, “Caju” etc., para que quando fossem procurados pela polícia por causa da prática da capoeira fosse difícil achar seu paradeiro a partir do nome no registro civil. Tinham outros tantos com apelidos oriundos de outras atividades laborais ou afetivas. Portanto, os apelidos eram “nomes de guerra”, pois todos que praticam as culturas de origem negra sabem que o seu exercício exige uma postura guerreira diante das inúmeras perseguições políticas e sociais. Por isso a importância de se dizer que a capoeira é uma manifestação dos negros.

Exemplo da objetificação é a criminalização da sua prática outrora pelo Código Penal da República Federativa do Brasil. A racialização da capoeira foi legal e, portanto, fruto do racismo de Estado que legisla sobre as manifestações ditas populares, cuja população é tomada como reincidente do crime que outros cometeram, qual seja, o de escravizar seres humanos. Todavia, no contexto capitalista, as vítimas sempre são vistas como responsáveis dentro da maquinaria que se dedica a controlar e produzir suas subjetividades em escala industrial. Dessa produção os/as praticantes de capoeira não escapam. Ou seja, deixou-se de se produzir as manifestações culturais em escala industrial, uma vez que as subjetividades dos seus praticantes passaram a ser o telos. Em outras palavras, a produção em escala industrial não se foca mais no que se pratica, mas sim nos agentes dessas práticas. Assim como nas redes sociais, o que se pretende é o engajamento dos sujeitos. Por isso, nas manifestações culturais, não importa mais o que se pratica, desde que esteja engajado. Só assim legitima-se a pertinência de tais práticas ancoradas na ancestralidade negra. Isso se justifica e se sustenta, por exemplo, pelas afirmações de que a capoeira é “minha filosofia de vida”, comumente proferida pelos/as seus/suas praticantes. Mas, qual vida?

Ora, se aceitamos que a capoeira é uma manifestação dos negros, aceitamos a subdivisão racial pretendida pelos racismos científicos empreendidos pelo Ocidente. Quando nos referimos à raça, indubitavelmente nos referimos à raça humana, que do ponto de vista genético não comporta subdivisões, portanto, não podemos legitimar a categoria “negra”. Mas, por que então aceitar que a capoeira é fruto das atividades culturais dos negros e não dos brancos ou indígenas que aqui viveram ou vivem? Por que dizer que a capoeira é substrato da cultura negra ou africana?

Sabe-se das perseguições que as culturas ditas negras sofrem socialmente e internamente. Socialmente, pelos contextos sociais em que são inseridas diante das forças que estruturam as relações macrossociais (outrora, tirou-se o atabaque da capoeira para distanciá-la das religiões afro-brasileiras, hoje evita-se cantar cantigas de ponto que também a aproximam das mesmas religiões, e instituiu-se a capoeira de Cristo praticada pelos adeptos às religiões pentecostais etc.), e internamente, dentro das próprias práticas a partir dos seus agentes e das suas estruturas internas, pelas insistentes cooptações na permanente adaptabilidade requerida dos seus agentes para a pertinência de tais manifestações, além da sua autolegitimidade. Por exemplo, nem todos os capoeiras são a favor de que ela se torne um esporte olímpico ou mesmo que haja competições no seu contexto. Isto é, alguns dos agentes que praticam tais manifestações são adeptos a diversas modificações ou posturas que as adaptem para um melhor deleite por outras camadas sociais e “raciais”, mesmo que isso vá de encontro a certas estruturas ditas tradicionais àquela manifestação.