CÓDIGO PENAL DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. DECRETO NÚMERO 847, DE 11 DE OUTUBRO DE 1890. Capítulo XIII, Dos vadios e capoeiras.
Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercício de agilidade e destreza corporal conhecida pela denominação Capoeiragem: andar em correrias, com armas ou instrumentos capazes de produzir lesão corporal, provocando tumulto ou desordem, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal. Pena: de prisão celular por dois a seis meses. Parágrafo único. É considerada circunstância agravante pertencer o capoeira a alguma banda ou malta. Aos chefes ou cabeças, se imporá a pena em dobro. [1]
Antes de mais nada é preciso definir o que seria(m) racismo(s). Trata-se de uma crença na existência de diferentes “raças” humanas hierarquizadas, em que a “raça” que instituiu tal crença encontra-se no topo da pirâmide por ela inventada, e às outras “raças” resta a submissão ou devoção acrítica, pois tomam como referência a “raça” que implementou tal sistema necrófilo, seguindo aqui os termos de Achili Mbembe.
Resultado da aglutinação de manifestações das populações trazidas da África ao Brasil na condição de escravizadas, pode-se dizer que a capoeira é uma manifestação cultural racializada. De forma resumida, essa é a definição mais comum sobre as origens da capoeira. Entretanto, contém elementos de várias lutas, dentre as quais destacam-se catch, boxe, caratê e até mesmo jiu-jitsu, de outras manifestações culturais, como samba e frevo, além de tipos corporais das religiões de matiz/matriz africana, entre outras transversalidades. Apesar e por causa de todas essas influências é lícito afirmar que a capoeira é uma manifestação dos negros trazidos da África ao Brasil.
Adotamos o plural racismos pela multiplicidade das violências sofridas pelas populações subalternizadas e fragilizadas nos diversos contextos das relações sociais. Homofobia, por exemplo, também é tipificado como crime de racismo. Portanto, denominamos como racismos o conjunto dessas violências que podem ocorrer separada ou coletivamente, já que atentam contra as liberdades individuais que constituem o princípio do Inciso XLII do Artigo 5º da Constituição Federal de 1988 que criminaliza o racismo.
Ao contrário do ciclope Polifemo, essas populações sabem bem quem as ataca. Longe de serem diversos ninguéns, os agressores transformam suas vítimas em ninguéns destituídos de humanidade. Ou seja, sabemos quem nos racializa para melhor identificar-nos, perscrutar-nos na ânsia infame do racismo. Busca que se manifesta nas ações diretas de nomear-nos negros, pois sabem que ao nomear objetificam e, logo, apreendem e circunscrevem as nossas humanidades. Sabe-se que nomear, também, é reconhecer o outro e a si mesmo como sujeitos, mas isso está longe de ser aproximado ao universo da capoeira, por exemplo, nos batismos, quando se designa o outro com um codinome (código). Os codinomes na capoeira tinham (hoje em dia nem tanto) a função especial de “coletivizar”, esconder, disfarçar, tornar o capoeira em um “ninguém”, pessoa comum na comunidade diante das perseguições das autoridades legais. Eram apelidados de “Fumaça”, “Maria doze homens”, “Besouro”, “Canjiquinha”, “Caju” etc., para que quando fossem procurados pela polícia por causa da prática da capoeira fosse difícil achar seu paradeiro a partir do nome no registro civil. Tinham outros tantos com apelidos oriundos de outras atividades laborais ou afetivas. Portanto, os apelidos eram “nomes de guerra”, pois todos que praticam as culturas de origem negra sabem que o seu exercício exige uma postura guerreira diante das inúmeras perseguições políticas e sociais. Por isso a importância de se dizer que a capoeira é uma manifestação dos negros.