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O conceito de espetáculo e seus fundamentos
2. O conceito de espetáculo e seus fundamentos
2.1. Fetichismo de mercadoria
Karl Marx, em seu livro da crítica da economia política, O
Capital, avança a teoria do fetichismo de mercadoria. Mas o que
seria esse fetiche de mercadoria? Segundo o economista alemão,
uma mercadoria, enquanto for considerada como apenas valor
de uso, não possui nada de especial: é apenas mais outra ferra-
menta para ser utilizada pela maneira que foi feita, e nada além
disso – apenas serve para cumprir as necessidades dos homens 1 .
No entanto, quando ela é concebida como uma mercadoria,
quando ela é vista por esse ângulo, algo muda: não é mais um
mero objeto que satisfaz desejos, tal objeto começa a emanar
algo misterioso, algo indizível que muda a perspectiva no qual
é visto, e esta mudança não surge do valor de uso: “O caráter
místico da mercadoria não resulta, portanto, de seu valor de uso.
Tampouco resulta ele do conteúdo das determinações de valor.” 2
De onde surge tal qualidade mágica da mercadoria? Segundo
o filósofo alemão, a qualidade estranha da mercadoria surge de
sua própria forma-mercadoria. 3 Isto ocorre pois a mercadoria
transforma aquilo que era o social de sua produção no obje-
tivo: a mercadoria não possui mais as características sociais
que deram origem a ela, tais caracteres são objetivados. Em sua
gênese uma mercadoria é algo inteiramente dependente dos
seus produtores – se não houvesse quem fabricasse a mesa, por
exemplo, não haveria mesa; mesas, assim como qualquer outro
produto, não podem se autofabricar, o homem é necessário –, no
1
“Na medida em que [a mercadoria] é valor de uso, nela não há nada de misterioso,
indiferentemente se a considero do ponto de vista de que ela satisfaz as ncessidades
humanas por meio de suas qualidades próprias ou se obtém essas qualidades apenas
como produto do trabalho humano.” (MARX, Karl. O caráter fetichista da merca-
doria e seu segredo. In: JINKINGS, Ivana; SADER, Emir (org.). As Armas da Crítica:
antologia do pensamento de esquerda: clássicos. Trad. Paula Almeida et al. São Paulo,
SP: Boitempo, 2012, p. 110).
2 Ibid.
3 “De onde surge, portanto, o caráter enigmático do produto do trabalho, assim que ele
assume a forma-mercadoria? Claramente, ele surge dessa própria forma.” (Ibid., p. 111).
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