(COM)POSSIBILIDADES:OS 50 ANOS DO MAIO DE 68 com-possibilidades_os_50_anos_do_maio_de_68 | Page 89

Juremir Machado da Silva O individualismo romântico de liberação só poderia levar à frus- tração. Não era possível realizar todos os desejos prometidos. O princípio de realidade, abordado por Freud, impôs-se. A crítica do trabalho e do capitalismo não foi muito longe. O dinheiro triunfou ainda mais. Passou-se dos hippies aos yuppies. O culto do sucesso substituiu o desejo de viver em comunidades cuidando de cabras e ovelhas. Entre perdas e ganhos, ter-se-ia perdido a ilusão revolu- cionária e ganhado a mudança possível, mas improvável, que impactou o cotidiano ocidental e ainda produz controvérsia. Maio de 1968 teria anunciado o começo do fim da hipocrisia das relações familiares baseadas na mentira e na repressão aos comportamentos sexuais mais imediatos. Os jovens conquis- taram o direito a relações sexuais antes do casamento ou sem matrimônio. Abriu-se caminho para a crítica frontal aos pre- conceitos assentados como valores morais inquestionáveis em relação à homossexualidade. Iniciou-se ou acentuou-se a grande desconstrução da hegemonia do macho branco como senhor natural do mundo social. O mundo ocidental de hoje vive o que maio de 1968 pro- duziu? Gilles Lipovetsky faz um balanço nuançado. A utopia que ele alimentava há 50 anos desandou. O sonho de mudança continua por outros meios. Nem tudo foi aceito ou incorporado. O que pegou foi o liberalismo cultural. Maio de 68 perdeu contra o capitalismo. Hoje, sofremos de burnout. É o contrário do que pretendia maio de 68. O espírito de competição prevalece. Ganhou nos costumes, perdeu na utopia política. A vontade de transformação radical da sociedade passou. A retórica continua, sem credibilidade social. Criticar a globali- zação não significa querer o fim do capitalismo. Até na China o capitalismo se impõe. Há formas diferentes de capitalismo – ame- ricano, chinês, escandinavo. Como alternativa, Cuba, Venezuela e Coreia do Norte. A única utopia agora é a ecologia, empurrada pelo medo do esgotamento. 88