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Maio de 1968: Balanço de uma Utopia
uma dinâmica de progresso, tornou-se caótico e indiscernível. Nós
não somos senhores da história. Contradições e conflitos ainda
estão aí, mas eles não são mais da mesma natureza. Seja qual for
a ‘comemoração’ do quinquagésimo aniversário de maio de 68, a
história não se repete.
Premissas próximas, conclusões diferentes. Gilles Lipovetsky
também acredita que a excessiva valorização dos desejos indi-
viduais produz frustração e depressão, mas vê mais aspectos
positivos do que negativos na ruptura gerada por maio de 1968,
o que só conseguiu entender com o tempo e principalmente com
a mudança da sua lente interpretativa. O que resta de maio de
1968 segundo ele, que se tornou teórico da pós-modernidade e
atualmente da hipermodernidade?
Houve uma desinstitucionalização real da família. Os papéis tra-
dicionais foram contestados. A questão é: maio de 68 é o único
responsável por essa transformação? Não creio. Foi uma aceleração.
O essencial foram as transformações culturais promovidas pelo
capitalismo de consumo, com a valorização do desejo, do gozo
pessoal e do hedonismo. O capitalismo não é essa máquina con-
formista denunciada por alguns. Ele tem uma força revolucionária.
O consumo universalizou a aspiração ao bem-estar e à felicidade.
Maio de 68 sozinho produziria uma revolução libertária.
A família mudou. O poder do pai como chefe de família
entrou em declínio. As relações de subordinação se alteraram
até mesmo no campo do trabalho ainda que de modo mais
lento e limitado conforme as sociedades. O mundo escolar foi
fortemente atingido. O poder do professor nunca mais foi o
mesmo. Passou do autoritarismo à procura da autoridade sem-
pre contestável e contestada. Maio de 1968 concentrou o que
já existia – a influência da contracultura norte-americana – e
fermentou o que se consolidaria – os movimentos de liberação
sexual. Lipovetsky não esconde as contradições que enxerga no
legado de 1968.
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