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Maio de 1968: Balanço de uma Utopia
3. Cruzamentos possíveis
Esses dois olhares são realmente distintos? Sim e não. Ambos
constatam a vitória do capitalismo consumista. Jean-Pierre Le
Goff, porém, vê um mundo desfeito sem que no seu lugar tenha
sido colocado algo mais consistente e socialmente útil. Se a “Re-
volução” não podia ser realizada pelos jovens de classe média
ou alta de 1968, destituídos do capital ideológico e teórico ne-
cessários para uma ruptura de modo de produção, foi possível,
contudo, na sua opinião de pesquisador da história e partici-
pante dos acontecimentos, solapar as bases de um modo social
de existência. Gilles Lipovetsky não rejeita a leitura de que maio
de 1968 não podia fazer e não fez a revolução teorizada pelos
marxistas. Fez outra. Uma revolução do cotidiano.
Gilles Lipovestsky e Jean-Pierre Le Goff podem ser vistos
como intelectuais que amadureceram e, passados 50 anos dos
fatos, abandonaram as ilusões juvenis para fazer interpretações
realistas, ou como homens que se “aburguesaram” e traíram
os ideais de juventude. Num aspecto suas visões convergentes
parecem incontestáveis: o capitalismo venceu. A afirmação, no
entanto, pode ser inconsistente na medida em que volta a sugerir
um enfrentamento ou uma utopia que eles mesmo negam. O
maio de 1968 não foi um fenômeno anticapitalista. Foi, antes
de tudo, um conjunto de manifestações dentro do capitalismo
pela sua humanização, domesticação possível, transformação,
regulação.
Historiadores podem estar mais aparelhados do que aqueles
que viveram determinada experiência histórica. Os protago-
nistas, os coadjuvantes e os figurantes não só não possuem o
distanciamento necessário para a interpretação complexa dos
acontecimentos como também, muitas vezes, ou sempre, estão
moldados pelas lentes disponíveis no momento para a leitura
dos fatos em curso. Le Goff e Lipovetsky não foram protagonis-
tas, mas representam o sentimento experimentado por muitos
jovens da época no que se refere à expectativa revolucionária
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