(COM)POSSIBILIDADES:OS 50 ANOS DO MAIO DE 68 com-possibilidades_os_50_anos_do_maio_de_68 | Page 85

Juremir Machado da Silva lhos. Também não gostávamos dos anarquistas. Acreditávamos na organização popular. Jean-François Lyotard estava conosco nesse grupo. Acertávamos sobre o funcionamento dos regimes comunis- tas e errávamos em nossas utopias. Éramos 30 intelectuais que se reuniam num café na Praça da República, ‘O Tambor’, fazíamos um jornal no mimeógrafo e pretendíamos mudar o mundo. Na época, portanto, eu não via o que os jovens rebeldes de maio poderiam transformar na sociedade. Não havia um partido político con- duzindo o movimento para derrubar o governo. Eu me enganei. A descrição de Lipovetsky coincide num ponto com a de Jean-Pierre Le Goff: a revolução sonhada por ambos não esta- va presente nos acontecimentos dos quais participaram. Eles tinham um modelo mental ou teórico que não correspondia ao que estavam vendo e vivendo. Mais velho e mais entranhado do que Le Goff nos movimentos subterrâneos de contestação da época, Gilles Lipovetsky tratava de conquistar um lugar ao sol na estrutura tradicional como professor, mas, ao mesmo tempo, alimentava a utopia da grande ruptura. Outro ponto em comum com Le Goff é o da avaliação sobre 68. Ambos se desi- ludiram. Lipovetsky afirma: “Eu me enganei”. Le Goff reconhece que houve mudança de “atitudes e costumes” sem se contentar com isso. Um se desiludiu ao constatar que a revolução não poderia acontecer e não aconteceu. O outro se reencantou ao descobrir que a revolução fora outra, cultural. Para Lipovetsky maio de 1968 foi uma celebração da palavra, uma catarse, um gozo prolongado ainda que na efemeridade de uma primavera: Os debates nunca terminavam. O que mais se fazia, em grandes auditórios na Sorbonne ou em Censier, era discutir. Nunca vi tantas assembleias e tantos oradores. Era a liberação da palavra. Como meu modelo era a revolução, eu via tudo aquilo mais como observador. 84