(COM)POSSIBILIDADES:OS 50 ANOS DO MAIO DE 68 com-possibilidades_os_50_anos_do_maio_de_68 | Page 84
Maio de 1968: Balanço de uma Utopia
maioria da população que estava cansada dos distúrbios. A grande
manifestação dos gaullistas e sua esmagadora vitória nas eleições
parlamentares em finais de junho marca o final de maio 68. Mas
nada estava definitivamente resolvido e De Gaulle teve de deixar
o poder em abril de 1969 após o fracasso de seu referendo sobre a
reforma do Senado e a regionalização da administração.
Por um momento, quando estudantes e operários se cruza-
ram, houve a ilusão de que algo maior aconteceria. No pouco
tempo em que tudo durou, houve incerteza quanto aos pro-
pósitos da rebelião. Sindicatos e organizações tradicionais de
esquerda, como o Partido Comunista Francês, hesitaram. Não
lhes parecia claro o que podiam ganhar participando de uma
aventura ao lado de jovens de classe média. O presidente Charles
de Gaulle, instalado no poder desde 1958, herói libertador da
Segunda Guerra Mundial, figura tutelar, marca do tradicional
na modernidade em aceleração, teve de manobrar para resistir,
contornar os obstáculos e esvaziar a tensão instalada.
A descrição de Gilles Lipovetsky passa pela sua memória
afetiva, revela uma expectativa de mudança radical, posiciona
atores na cena reconstituída, destaca referências ideológicas e,
com leve ironia, relativiza a capacidade dos envolvidos para
realizar a grande utopia:
Eu estava em Paris, como estudante, e tinha 24 anos de idade.
Era o meu último ano na Sorbonne. Passei em setembro daquele
ano o exame para ser professor. Não atirei paralelepípedos em
ninguém, mas participei das manifestações. Eu havia saído de um
grupo revolucionário de ultraesquerda chamado Poder Operário,
dissidente do hoje famoso Socialismo ou Barbárie, de Cornelius
Castoriadis e Claude Lefort. Nosso ideal era a autogestão. Atacá-
vamos a União Soviética, a China, o stalinismo, o maoísmo e tam-
bém o trotskismo como formas de burocratização do mundo. Para
nós o comunismo não fora implantado, pois haveria uma nova
divisão de classes entre dirigentes e povo. Víamos o totalitarismo
soviético e a democracia liberal como primos na alienação das
massas. Nosso lema era todo o poder aos homens, não aos apare-
83